sexta-feira, julho 13


Henrique Raposo




Caro funcionário da República, venho por este meio informá-lo de que V. Exa. está pejadinho de inconstitucionalidades. É, pelo menos, o que ouvi dizer. E quem o diz não é um qualquer. Se aplicarmos com rigor o princípio da equidade invocado pelo Tribunal Constitucional (TC), chegamos a várias inconstitucionalidades no estatuto do funcionário público. Para começar, V. Exa. não enfrenta o fantasma da falência, ao contrário do mero mortal que trabalha lá fora, esse sítio onde se fazem contas à vidinha. A falência do seu patrão é uma impossibilidade física e metafísica. Ou melhor, o seu patrão até pode abrir falência, mas há sempre uma troika e os impostos de toda a gente para o salvar. Eis, portanto, a primeira inconstitucionalidade, que é a causa da segunda: V. Exa. não enfrenta o espetro do desemprego. A lei, escrita e não-escrita, protege o funcionário público do despedimento. Quando uma empresa deixa de facturar, os trabalhadores vão para o desemprego, porque a dita empresa tem de fechar portas. Quando deixa de fazer sentido, uma repartição pública continua aberta. Pior: se, num acto de loucura, o governo decide fechar a repartição, os funcionários não são despedidos; são inseridos num quadro de excedentários. Na vida real, lá fora, onde faz frio, não existem estas redes de segurança inconstitucionalíssimas.
Em terceiro lugar, parece que a Caixa Geral de Aposentações de V. Exa. garante reformas num regime privilegiado em relação ao resto da população . E o que dizer da ADSE, a quarta inconstitucionalidade? Durante anos e anos (décadas?), este exclusivo dos funcionários públicos foi o grande seguro de saúde do país. Agora, a ADSE parece que está em declínio, mas isso não apaga os benefícios usufruídos nos anos de glória da ADSE e não invalida a situação de privilégio ainda existente: um utente normal tem de ir ao SNS, mas V. Exa. pode ir à clínica/hospital privado de sua preferência. Durante anos e anos, esta foi a maior inconstitucionalidade: a melhor parte da saúde financiada pelo Estado era um privilégio de V. Exa. O TC e os profetas da equidade nunca abriram a boca sobre este assunto e a expansão da ADSE à população inteira foi sempre um tabu inconstitucionalíssimo.
Quinta inconstitucionalidade? A taxa de absentismo de V. Exa. é seis vezes superior à das empresas normais e essas empresas nunca tiveram a prática das promoções automáticas, outro mistério inconstitucional (o sexto). Sétima? Por que razão a percentagem do PIB português utilizada para pagar salários da função pública é superior à média europeia? Oitava? Bom, poderíamos estar aqui o dia todo, poderíamos chegar até à vigésima, mas por hoje já chega, meu caro amigo. Já estou a transbordar de inconstitucionalidade, já tenho alíneas de privilégio a sair pelas orelhas. Para terminar, e enquanto espero pelas considerações do TC sobre estas alíneas, só queria dizer que continuarei aqui nas galés, remando ao som do batuque inconstitucionalíssimo de V. Exa.

segunda-feira, julho 9

...
Não se pode ter um Governo com um ministro como Nuno Crato, e ao mesmo tempo, como número dois do Governo um senhor que se qualifica desta forma.
...
Para que é que serve uma Licenciatura destas? Serve para alguma coisa? O Ministro Miguel Relvas ficou a saber alguma coisa?
...
Não há esclarecimentos nenhuns mais uma vez. O Ministro recusa-se a explicar.
...
Estou aqui a falar de um Governo que, por exemplo, considerou que o [Programa] Novas Oportunidades, e 
na minha opinião bem,
que também era um atestado à ignorância, e que depois ao mesmo tempo permite este tipo de situações em que um Ministro tira um curso num ano.
...
Eu acho que começa a haver lapsos a mais neste Governo
...
Sentiu-se obrigado a ter um curo mas não quis ter o trabalho de ter um curso. Um curso dá trabalho.
...
Isto é tudo uma cultura.
...
...como acho que esta licenciatura também não é uma coisa que se recomende. Defacto, mais vale não tirar licenciatura nenhuma do que tirar uma licenciatura nestes termos. E penso que o Pedro Passos Coelho quando diz que isto não é um assunto, então devia ter pensado nisso antes quando atacou José Sócrates, porque o PSD atacou, e bem, o caso da licenciatura de José Sócrates, nomeadamente Miguel Relvas.
...
O Governo deve dar o exemplo... Isto não é exemplo para um jovem estudante que está agora a preparar-se para exames...
(...)


O ‘bosão de Relvas’ não é ser ou não ser licenciado. É saber se disse que era, não o sendo (segundo os padrões legais).


(...)
Ao fim de pouco mais de um ano em funções, é evidente que o Governo apresenta sinais de desgaste.
(...)
Há quem pense que o bom aluno europeu pode não receber, no fim, o prémio a que julga ter direito. E, na medida em que Portugal tem sido o laboratório de um experimentalismo que não tem corrido bem, receio que, se não souber reclamar enquanto é tempo, acabe por ser sacrificado como um mero ratinho branco. 

O desgaste tem, no entanto, raízes mais profundas. Desde logo, o Governo sofre de um problema grave chamado Relvas. Os episódios sucessivos, com a jornalista, com um desastrado espião, e agora com o canudo, são complicados. Por muito que tenha explicações razoáveis para tudo, não sai ileso destas batalhas. Relvas não é um ministro qualquer: ocupa uma pasta em que deveria resolver muitos dos problemas para os quais Passos Coelho não tem tempo ou disponibilidade.
(...)
Nos casos do Metro do Porto e dos STCP, é óbvia a intenção de garantir o controlo de instrumentos importantes, e a falta de experiência política do ministro da Economia permite que seja o seu secretário de Estado a desempenhar a tarefa de agradar a clientelas do partido. Ora, por muito que uma certa imprensa finja desconhecer a realidade, ou nos tente convencer de que é uma tese rebuscada, a verdade é que essa traficância é clara aos olhos do eleitorado, sempre atento quando ouve falar da questão dos tachos.

terça-feira, julho 5

Os vira-casacas

Alberto Castro
Está nos livros: onde existe uma grande dependência do Estado, mudanças no poder trazem consigo mudanças na opinião de muitos. Não antes, mas depois ou, pelo menos, a partir do momento em que se torna óbvia a derrota da "situação", como se dizia antigamente. O povo crismou-os: "vira-casacas". Os mesmos que até aí aplaudiam, servilmente, o poder descobrem, subitamente, o seu engano. Coerentes na sua vocação de bajuladores, continuam a aplaudir o poder. O novo. Encontramo-los entre os empresários, grandes ou pequenos, os gestores, públicos ou privados, os comentadores. Por toda a parte. Representam o pior da espécie humana, se é legítimo atribuir-lhes essa pertença pois falta-lhes coluna vertebral. Governo que se deixe rodear por eles, lhes dê ouvidos ou se deslumbre com os encómios em que se especializaram, está a meio caminho do autismo. A outra metade será da responsabilidade dos que vêem a política como se de um jogo de futebol se tratasse. Em conjunto, actuam sobre a componente narcisista que há em quase todos os homens públicos. Falam-lhes da história e de como esta os verá. São piores do que as sereias o eram para Ulisses. Alguma dessa gente já apareceu, ou reapareceu, em força, nestas duas semanas.
(...)
4. Mais receita é uma forma de combater o défice. Errada - Portugal já tem uma carga fiscal excessiva. Inevitável - no curto prazo, não é fácil cortar significativamente nas despesas. Palpita-me que não ficaremos por aqui, nas receitas, e anseio por saber o que se vai fazer do lado da despesa e, em especial, no que toca ao estímulo à competitividade e emprego. Só então se poderá fazer uma análise séria.

Há sempre tempo e dinheiro

Jorge Fiel
(...)
Da mesma maneira, emagrecer o nosso Estado obeso não significa deixar de investir, o que nos atiraria para a situação ridicularizada na história do cavalo do espanhol estúpido - que ao abrir o estábulo e deparar com o animal feito cadáver desabafou: "Logo agora que se tinha habituado a não comer é que ele foi morrer...!".
Vêm estas ideias gerais (e estou em crer que consensuais) a propósito do que deve o novo Governo fazer pelo nosso país durante os nove trimestres consecutivos de recessão em que vamos ter de sobreviver, de acordo com as previsões do ministro das Finanças, que tem o ar e a fama de ser homem de boas contas.
Tempos excepcionais exigem políticos e políticas excepcionais. E ninguém duvidará de que 27 meses seguidos a destruir riqueza são um tempo de excepção, em que os governantes não se podem esconder atrás do biombo das desculpas da falta de tempo ou de dinheiro.
Há sempre tempo e há sempre dinheiro, por muito escassos que eles sejam - e infelizmente são-no.
A grande questão reside em escolher criteriosamente onde investir esses recursos escassos. E o investimento em transportes públicos movidos a energias limpas e não poluentes tem de estar na primeira linhas das prioridades.
E para emagrecer duravelmente um Estado como o português não basta reduzir o peso a eito, sem cuidar de reparar se estamos derreter cirurgicamente a gordura ou a ler boas noticias na balança conseguidos artificialmente à custa da perda de músculo.
Para curar o nosso Estado da obesidade mórbida de que padece, a administração pública tem de adoptar um estilo de vida mais saudável, dotando-se de elevados graus de flexibilidade e eficiência que só poderão atingidos aproximando a decisão dos cidadãos. Lisboa e o centralismo são a barriga que nos tolhe os movimentos e impedem Portugal de sair do buraco em que o meteram.

domingo, julho 3

Alguém viu por aí um governo liberal?

Alberto Gonçalves
(...)
É verdade que entre as eleições e o anúncio surgiu um "inesperado" buraco de dois mil milhões na famosa consolidação orçamental, o que obrigava o Governo a escolher uma de duas hipóteses. Se fosse socialista, procederia ao roubo adicional dos contribuintes. Sendo liberal, no peculiar sentido que em Portugal se dá ao termo, procedeu ao roubo adicional dos contribuintes. Não ocorreu ao dr. Passos Coelho, porque por cá semelhantes excentricidades nunca ocorrem a ninguém, uma terceira hipótese, que consistiria em poupar os 800 milhões em vez de habilidosamente os saquear.
(...)
Em suma, no que toca à redução do Estado "gordo" que o candidato Passos Coelho abominava, o primeiro-ministro Passos Coelho é, descontadas as extinções dos governadores civis (que a Constituição torna inútil) e dos directores-adjuntos da Segurança Social (consta que poupará um milhão de euros por ano), cauteloso ou omisso. Do lado da cautela, estão por exemplo as fundações, empresas e institutos públicos, cuja presuntiva e parcial eliminação, ao contrário do aumento da carga fiscal, carece de ponderação e só será revelada lá para Agosto. Do lado da omissão, está por exemplo a reforma da administração local, uma imposição da "troika" misteriosamente varrida dos desígnios governativos. Em qualquer dos casos, o dr. Passos Coelho jurou que não haverá despedimentos na função pública, o que atribui às medidas carácter decorativo.
(...)
Todos os portugueses sabem que, excepto pelas costas, não se diz mal dos amigos e conhecidos. Felizmente, devo ter uma costela estrangeira e não me sinto obrigado à regra. Quando o novo secretário de Estado da Cultura, pessoa inteligente e óptima companhia, se estreia na função a prometer que o Acordo Ortográfico será "implementado" em 2012 nos "documentos oficiais e nas escolas" dado ser "um caminho sem retorno", eu gostaria de lembrar ao Francisco José Viegas que caminhos sem retorno também eram, ou são, o TGV, o aeroporto de Alcochete, a bancarrota, a gripe suína e o declínio do Belenenses. O trabalho de um governante consiste, suponho, em tentar contrariar as desgraças ditas inevitáveis. Aceitá-las de braços caídos tende um bocadinho para o fácil e talvez não justifique o salário.
(...)

Anos de brasa

Daniel Amaral
(...)

A única saída que resta está nas exportações. E aí, sim, a aposta deve ser muito forte. Mas 80% destas exportações dirigem-se à Zona euro, que está em crise; e os 20% restantes têm de concorrer com uma multiplicidade de países muito mais agressivos que nós. Tudo ponderado, não tenho dúvidas de que será possível ganhar aqui alguma vantagem, mas nunca ao ponto de compensar as duas quedas anteriores. A recessão já existe e vai manter-se.
A actual legislatura é para quatro anos e os dois primeiros vão ser decisivos. O que de bom ou de mau ocorrer neste período vai marcar o futuro de uma geração. Sejamos então realistas: no final destes dois anos, o PIB vai ser mais baixo e o desemprego vai ser mais alto do que são hoje. E a dívida pública também terá aumentado. É bom que os governantes tenham consciência disso: nessa altura, uma multidão inflamada vai atirar-lhes à cara com todas as promessas que fizerem e não cumprirem.

Pagar as mentiras

Rui Moreira
Confesso que quando ouvi o primeiro-ministro dizer que uma parte significativa do meu subsídio de Natal ia ser nacionalizado sob a forma de um imposto extraordinário, senti uma profunda revolta. Estou farto de ser roubado por um Estado voraz, que se apropria da riqueza que criamos, que não presta contas sérias, que é mau pagador, e que tem vícios intoleráveis de novo-riquismo.
(...)
A todos nós, que fomos chamados a fazer um novo sacrifício, resta-nos esperar que esta seja o último pagamento por conta das mentiras que nos impingiram. Mas, em troca, temos o direito de exigir algum respeito e decoro por parte de quem voluntária ou inadvertidamente contribuiu para esse logro.

quinta-feira, junho 30

Que viva a Grécia!

Baptista-Bastos

A Grécia parece ter peçonha. Nas reuniões internacionais, Papandreou é objecto de todas as recuadas atenções e de todos os silenciosos desfavores. Os países "periféricos", nos quais se inclui Portugal, nada querem a ter com a Grécia, uma desgraça que dá azar. A simples menção do nome do país faz estremecer de horror os dirigentes da Europa "pobre." A Grécia é-lhes desprezível. Temem o "contágio", e afirmam, com fogosidade, nada ter a ver com "aquilo". Se a Europa económica e política está a desfazer-se, a Europa moral (o que quer que a expressão signifique) só não cai em estilhaços - porque não existe.
Entre dentes ou, até mesmo, com clareza impudica, políticos de países "menores" não querem paralelismos comparativos com os gregos. Os gregos são a desonra da Europa. Basta observar como o primeiro-ministro daquele país é olhado (de viés) e tratado (como um subalterno) para se entender o carácter separatista e discricionário da União. A Europa germanicamente "imperial", tão bravamente desejada e imposta por Angela Merkel, faz o seu caminho, com exclusões e inclusões das mais absurdas. A fragilidade desta pseudoconstrução, na qual se pretendia criar uma nova identidade política e económica, com base num igualitarismo de poderes e de decisões, é uma evidência - e um colossal embuste.
A Grécia, por todos os motivos que a definem e nos definem, é uma instituição cultural e uma entidade política e estética que não deve ser submetida a estas desconsiderações, enraizadas num capitalismo tão predador quanto ignorante. Diz quem não sabe: a Alemanha e os países mais ricos não podem pagar pelos erros e desmandos dos dirigentes gregos. É verdade. Porém, as causas das coisas não são tão simples. E a aplicação, à Grécia, de juros superiores a mais 20% pode sugerir--nos que há teias insidiosas, cuja invisibilidade não é assim tão obscura. A quem e a que países interessa o desmantelamento do projecto europeu, e à acentuação de uma complexidade que nos inculca um desequilíbrio insustentável?
A ideia segundo a qual a Grécia criará um efeito de dominó imparável tem adeptos poderosos. E, nos meios de comunicação, há jornalistas e comentadores estipendiados para defender essas bandeiras. As quais são as bandeiras dos poderes ocultos que ambicionam o domínio sobre os Estados e a subversão da própria democracia.
A desobediência civil, manifestada em múltiplas e diversas acções dos gregos, poderá não ser, ainda, uma sintaxe revolucionária. Poderá. No entanto, um pouco por toda a parte, as pessoas começam a fartar-se das iniquidades e violências de um sistema que encaminha as nações para o caos. Preservar a liberdade num mundo cada vez mais cercado e caracterizado pela barbárie é um imperativo moral e uma imposição de consciência.

As palavras, essa chatice

Ferreira Fernandes
(...)
 A Grécia está explosiva. Portugal, não. As manifestações, ontem, por exemplo, em Viana, foram ordeiras. Os portugueses estão descontentes mas não se deixam desesperar. Podem estar zangados mas não estão irados. O Governo adopta soluções duras, sabendo que não será recebido à pedrada. A oposição que está no Parlamento com o fito de vir a ser Governo (e este alcançado por votos, não pela rua) é responsável. É este o retrato do País, cordato, não explosivo. Lembro-o porque, anteontem, o Presidente disse: "(...) se bem se recordam, há talvez mais de dois anos que disse que Portugal se aproximava de uma situação explosiva, lamentavelmente chegámos a essa situação explosiva." Não me recordo do que Cavaco Silva disse há dois anos e também não me vou recordar mais do que ele disse anteontem. Eu gostava, mesmo, era de um Presidente que não tropeçasse nas palavras.

Repensar a Europa

Manuel Maria Carrilho
(...)
As ideologias são assim, têm períodos de vitalidade e fases de declínio.
(...)
A União Europeia está nesta fase. E a deriva deste último ano e meio parece aproximá-la cada vez mais do colapso, não se vendo nada que a faça arrepiar caminho, como o Conselho Europeu da semana passada veio confirmar.
(...)

Apesar de todos estes alertas e apelos, a que é ainda precisa juntar o espectro de uma "tempestade perfeita" que poderá resultar, nos próximos tempos, da combinação da crise da dívida europeia com o risco de incumprimento dos EUA (a dívida americana ultrapassou já os 14 mil milhões de dólares), a inflação chinesa e a estagnação japonesa - apesar de tudo isto, a União Europeia continua paralisada.
Paralisada e a pisar ovos em cima da premonitória frase de Theo Waigel, o antigo ministro das Finanças alemão que prometeu aos seus concidadãos que "der euro spricht deutsch". E, entretanto, agudiza-se o impasse entre as duas saídas para a crise, a federal e a nacional, com o federalismo sempre a perder terreno desde os chumbos de 2005 aos referendos à "constituição" europeia, e o nacionalismo a ganhar constantemente novos adeptos por toda a Europa, seja em Inglaterra ou na Holanda, na Hungria ou na Finlândia.
(...)
 E para quebrar este conformismo e os seus dogmas, só há um modo: é o de voltar à "grande" política, isto é, às ideias que podem mudar o actual estado de coisas. E que terão de ser tão ousadas como fundamentadas.
Tal só será possível cortando com a ideologia sem ideias em que se tornou a "vulgata europeia", e elaborando uma nova agenda para a Europa. Uma agenda que exija que a Comissão Europeia deixar de se comportar como um dócil secretariado de um Conselho Europeu dominado pela Alemanha. Uma agenda que leve os líderes dos países europeus a falarem mais vezes e mais demoradamente entre si, e com as respectivas opiniões públicas, de modo a encontrarem e a formularem alternativas à ortodoxia dominante. Uma agenda capaz de federar os interesses e as ideias de diversos países, sem medo de confrontar a Alemanha ou de visar os seus pontos fracos. Uma agenda que avance com iniciativas credíveis e com propostas ambiciosas, e que abra os indispensáveis debates sobre as novas circunstâncias da globalização, os paradoxos do livre-cambismo, as opacidades da "financeirização" da economia ou o interminável (e contraproducente) alargamento da União.
E é muito que se pode fazer, com iniciativas de variada ordem: política, económica, financeira, social, cultural. Uma delas, e das mais urgentes, deveria neste momento ser relativa ao valor do euro, cuja excessiva valorização nos últimos dez anos tem beneficiado sobretudo à Alemanha, e a dois ou três aliados, e prejudicado todos os demais países da Zona Euro. E esta valorização teve, é preciso sublinhá-lo, um papel decisivo na perda de competitividade de diversas economias europeias, e na eclosão da crise das dívidas soberanas. (Note-se, a propósito, que a Inglaterra desvalorizou a libra, durante a crise financeira dos últimos anos, em cerca de 20%, sem que a inflação tenha ultrapassado 1,6%...)
Este é um dos caminhos por onde é possível e urgente avançar, se realmente quisermos que o euro fale outras línguas para lá do alemão. Outros, por exemplo, são a unificação da dívida (como Roosevelt fez em 1932), a emissão de "eurobonds" e a criação de um ministério das finanças europeu. A Europa precisa de uma nova agenda que só um franco e vigoroso o debate de ideias poderá viabilizar, criando condições para que se enfrente uma especulação que se faz cada vez mais à margem de todas as regras, e que está a tornar o mundo numa verdadeira selva.

Control+Alt+Del ao programa do Governo

André Macedo
(...)
 Da esquerda à direita, nenhum governo é inocente. O de Passos Coelho, voluntarista como todos eles são no início, é só o exemplo mais fresco. Sobre o mar, encontrei ontem esta pérola: "[Vamos] promover a interoperabilidade entre os múltiplos sectores ligados às actividades marítimas num conjunto de áreas que têm um papel de suporte e sustentação das cadeias de valor dos componentes prioritários." Frases deste calibre são às dezenas. O que me leva a confirmar que estes documentos são como os manuais de instruções dos aparelhos electrónicos - inúteis.
(...)
 O famoso memorando da troika, por exemplo, resume em 34 páginas tudo o que é preciso fazer até 2014. Se formos capazes de cumprir metade do que lá está, o País dará uma volta de 180º - veremos, depois, se para melhor. Para quê, então, 129 páginas cheias de nada quando os objectivos estão definidos? Para quê enfeitar se, no fim, não se ganha nada com isso?

Amo-te metro

Daniel Deusdado
(...)
É fundamental que cada cidadão olhe para a utilização do transporte público da sua cidade como se estivesse a marcar um golo pela sua equipa.
(...)

 Por exemplo, a engavetada "linha circular", no miolo da cidade (o projecto inicial apontava para as ruas de Fernão de Magalhães, Costa Cabral, Rotunda da Boavista, Campo Alegre, Palácio de Cristal e a Praça dos Leões). Ela ajudaria muito à essencial revitalização da Baixa do Porto - importante para garantir novas indústrias culturais, melhor turismo, mais reabilitação urbana. Esta linha pode muito bem ser o ovo de Colombo de uma maior capitação de passageiros no metro.
É preciso também dar solução ao problema da Avenida da Boavista. É inacreditável que a maior artéria da cidade, com elevada concentração de serviços, hotéis e pólos de turismo, esteja desintegrada da rede. Rui Rio tinha razão ao insistir com o desastroso ministro Mário Lino na necessidade de se executar a linha Matosinhos Sul-Boavista - mais barata porque está à superfície, e rápida de construir. Ainda é possível voltar atrás?
(...)
A mobilidade urbana inteligente, fiável, e sem poluição, é o que vai distinguir as cidades do futuro onde valerá a pena viver e investir.
(...)

Passos e o momento Lehman

Paulo Ferreira
(...)
Estou com os que não vêem o Estado como o grande motor das economias, o grande criador de empregos. O Estado (e o Governo primus inter pares) deve, isso sim, criar os estímulos e as leis que facilitem aos privados a criação de riqueza (sim, já vejo os acusadores do costume a chamarem a isto neoliberalismo. Juro que não sei o que isso é).
(...)
Na sua última edição, a revista "The Economist" concluía que, se os líderes europeus não resolverem depressa o problema grego, chegará muito depressa o "momento Lehman". Isto é: a bancarrota daquele banco norte-americano arrastou, em 2008, muitos outros, criando severos danos à economia mundial. A provável bancarrota grega arrastará consigo para a lama não apenas outros países, mas talvez mesmo a Europa , tal como hoje a concebemos.

Dêem-lhe tempo

Manuel António Pina
A apresentação do Programa de Governo funcionou como tiro de partida para que vários "lobbies", habitualmente discretos, saltassem alvoroçadamente da toca vendo os seus interesses na iminência de ser beliscados.

Para Pais do Amaral e para Balsemão, não existe, no actual panorama televisivo, lugar para outro concorrente (e que raio terão os contribuintes com isso?). Com a hipotética privatização de um dos canais da RTP passaria desta vez a haver, para alguns voluntariosos críticos do "excesso de Estado", "concorrência em excesso". Ou seja: pensando melhor, talvez afinal o Estado não seja mau, principalmente se somos nós quem está debaixo do seu guarda-chuva proteccionista.
Também a notícia da suspensão do TGV parece ter posto os cabelos em pé a muita gente, do consórcio ELOS, liderado pela Soares da Costa e pela Brisa (que se preparava para cobrar 1,359 mil milhões de euros, sem IVA, pela construção, mais 12,2 milhões por ano pela manutenção dos 167 quilómetros do troço Poceirão-Caia, ameaçando agora reclamar 150 milhões de indemnização ao Estado, ao... ministro espanhol do Fomento, para quem suspender o TGV é uma "má decisão" pela qual poderão vir ser pedidas explicações a Portugal (que é como quem diz aos contribuintes portugueses).
Passos Coelho não sabe onde se meteu. Dêem-lhe tempo. Acabará, como Sócrates, por descobrir, os "lobbies" regressarão a penates e tudo voltará à normalidade.