Fernando Santos
Na actual crise económico-financeira, merece destaque todo e qualquer comportamento desalinhado do ambiente depressivo que a todos tolhe o optimismo. Neste enquadramento, assenta como uma luva algo de pouco vulgar nos tempos que correm: o entendimento entre patrões e sindicatos da indústria do calçado para um aumento salarial de 2%.
Bastaria o facto de os cortes nos ordenados e a perda efectiva de poder de compra estarem sistematicamente na linha do horizonte, presente e próximo, para se destacar o contraciclo ontem conhecido. Acresce, no entanto, o argumento de os industriais do calçado terem sido capazes de se adaptar a novos tempos, reciclando e modernizando empresas que há duas década estavam condenadas à rota da falência, ao ponto de hoje poderem alcançar um entendimento pela positiva: o do aumento salarial, ainda que moderado, em tempos de recessão.
O comportamento da indústria do calçado é, objectivamente, um sector-exemplo a que o país deve prestar atenção - seguindo-o, de preferência.
A dinâmica empreendedora, compatibilizando investimento tecnológico e "design" com produtividade, criou uma indústria de elevado potencial qualitativo: o calçado português exporta hoje 495 milhões de euros (95% da produção) e os mais de 30 mil trabalhadores que lhe dão corpo têm uma perspectiva de vida pela frente. Ainda sujeitos a salários baixos, é certo, mas, enfim, dispondo de alguma margem para projectar sonhos nas actuais circunstâncias difíceis do país.
O caso da indústria do calçado merece, ainda, uma outra reflexão.
Num mercado muito concorrencial, mas no qual as quotas nacionais se têm comportado bem, o aumento salarial agora consensualizado entre o patronato e os trabalhadores funda-se em números positivos graças ao contributo de ambas as partes: os empresários, por via do investimento e da captação de novos clientes um pouco por todo o Mundo; os seus colaboradores, através de bons níveis de produtividade.
Elementar: só na base de uma leitura consciente faz sentido reivindicar melhores salários, embora no resultado final se obtenham cifras abaixo das que funcionam como ponto inicial de qualquer negociação. O acordo na indústria de calçado é uma resultante desse bom senso. E é comportamentalmente antagónico ao de muitos outros sectores em que os sindicatos desmultiplicam políticas reivindicativas insensíveis ao vermelho sistemático das contas. E é escusado dar exemplos, tantos e tão conhecidos eles são...
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