quinta-feira, junho 16

Os cavalos também se abatem

Paulo Martins



Há um par de anos, um cronista do jornal "La Repubblica" reconhecia, com contida amargura, que o problema de Itália não residia em Silvio Berlusconi, mas nos milhões de italianos que se reviam nele. Self made man rico, bem sucedido, rodeado de fantásticas beldades: eis os ingredientes capazes de reunir uma legião de fãs, entre os invejosos da sua condição de todo-poderoso e os que gostariam de estar no lugar dele - e se não podem, pelo menos sonham.
Boa parte dos italianos que têm oferecido a "Il Cavaliere" sucessivas vitórias eleitorais valoriza esse perfil de "chico esperto" que chegou longe, somado à ideia politicamente inconsistente de que um Estado se gere como uma empresa.
Pouco importa o seu populismo rasteiro. Pouco importa a colecção de processos judiciais em que está envolvido. Pouco importa que a Justiça tenha condenado um advogado inglês por corrupção, sendo obrigado a deixar de fora Berlusconi, comprovado corruptor, porque uma lei feita pela sua maioria lhe concedeu imunidade. E menos ainda importa que, dominando os principais meios de comunicação, abafe a sociedade italiana.
Algo pode estar, no entanto, a mudar. Em pouco tempo, Berlusconi foi derrotado nas autárquicas e num referendo. Já não pode alegar afazeres oficiais para se furtar a presenças em audiências em tribunal. Tratando-se de quem se trata, este não é um pequeno golpe.
Pode daqui inferir-se que os dias políticos Berlusconi estão contados? Os cavalos também se abatem, mas vaticínios desse tipo já falharam vezes sem conta. Se tivessem acertado, ele não teria já quase nove anos de poder, interpolados, desde que em 1994 subiu ao poder, sobre os escombros da operação "Mãos Limpas", que destruiu os partidos dominantes em Itália desde o pós-guerra, responsáveis por governos que caíam como tordos ao mais pequeno abalo. Esse é, indiscutivelmente, um ponto a favor de Berlusconi: graças a tacticismos, a alianças espúrias e a uma Esquerda destroçada, proporcionou ao país a estabilidade governativa que não conhecia.
Desiluda-se quem acredita que as aventuras sexuais ou as desventuras judiciais do primeiro-ministro italiano terão o condão de o derrubar. Noutro país, metade das histórias de "bunga bunga" e uma suspeita, ainda que vaga, de sexo com menor seriam mais do que suficientes para que se colocasse a questão da responsabilidade política. Em Itália, não há episódio do currículo de Berlusconi que fure a couraça da indiferença. O país segue, imperturbável. A economia, como sempre, não é abalada. Assim, só o voto pode operar a mudança. Pelo voto chegou ao poder, pelo voto será removido.

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