Maria José Nogueira Pinto
É sempre bom comparar o código genético dos seres e das instituições, quando ele é conhecido. O PS nasceu de uma das "três famílias" da oposição ao regime de Salazar, mais precisamente da Oposição Democrática. Foi fundado nas vésperas do 25 de Abril, em 1973, numa preocupação internacionalmente partilhada de criar alguma coisa entre o regime em crise do marcelismo e a esquerda radical comunista e "gauchista". Apadrinharam-no a social-democracia alemã (fundou-se na Alemanha) e algum sindicalismo anticomunista.
Pode dizer-se que cumpriu a sua missão. Em 1974-75, depois de vencida e expelida a tendência esquerdizante de Manuel Serra, o PS de Mário Soares e da oposição democrática "histórica" foi um partido mais social-democrata que qualquer outra coisa, tanto na teoria como na prática. Sofreu do esquerdismo insuflado pelo PREC, na retórica, mas na prática política actuou sempre como um partido de contrapoder que, como os seus cogéneres europeus, tratou mais de gerir o capitalismo do que de o destruir. E a linhagem das lideranças, de Mário Soares a José Sócrates, não desmentiu nunca esta linha.
Podemos dizer que, face às circunstâncias, vai iniciar-se o processo de uma das mais relevantes lideranças do PS, seja por ser indispensável a uma estabilidade que garanta o correcto e atempado processo de negociação, seja pelo incontornável cumprimento do acordo com a troika, o certo é que conhecer os ventos que dali vão soprar tornou-se uma necessidade. António Costa - um homem quase sempre apontado para esta tarefa - não deixou dúvidas com um "não" rotundo e uma palmada nas costas de Assis. Fê-lo, segundo disse, por fidelidade ao mandato da Câmara de Lisboa, argumento que cai sempre bem, mas que pode igualmente representar uma saída airosa para quem não quer trocar um mandato que se prevê bem-sucedido por uma liderança que pode ser a prazo.
Na corrida, Seguro e Assis partem de pontos diversos e, embora ainda sem programa, com visões opostas. Seguro pretende abrir, com um suspiro de alívio, um novo ciclo cuja reflexão parece arrancar da análise dos estragos de Sócrates: um partido que foi subtraído aos militantes e a uma vida própria, cuja palavra de ordem passará a ser a transparência versus a instituição do medo como forma de persuasão à disciplina. Mas Seguro garante também um projecto alternativo de poder capaz de substituir, no momento oportuno, o PSD e a coligação, preparado para ser executivo, afastando assim a sua candidatura como um mal menor ou um mero facto transitório.
Se Seguro parte com a vantagem de ter sido, nestes seis anos, o anti-Sócrates, o homem que andou no terreno e cuidou do aparelho, ninguém pode negar indiscutíveis qualidades a Assis, desde ser um excelente tribuno até ter estrutura e estatuto para elaborar um pensamento político próprio e ser motor de uma reflexão profunda interna. Não se percebe, pois, que o seu lema seja a "continuidade na mudança" (uma espécie de evolução na continuidade?) e, simultaneamente, o reconhecimento da necessidade de fazer rupturas. Há quem diga que a crise fará virar Assis à esquerda e a questão é qual delas. Assumir integralmente a história recente do partido não significa assumir os fantasmas de Sócrates, os seus intoleráveis defeitos e, nem sequer, algumas qualidades raras que há que reconhecer-lhe. O que mais pesa nesta história recente nada tem a ver com o ADN do PS. Foi um epifenómeno de difícil repetição, e colá-lo à herança não parece fazer o menor sentido. Resta saber que PS querem os militantes embora os apoios já dados pareçam firmes, implantados no terreno e ancorados no aparelho que, quer se goste quer não, nestas coisas é indispensável. Uma coisa sabemos: o processo pode ser renhido, mas será rápido. O que é um bem.
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