Alberto Castro
O responsável por uma empresa está prestes a partir para fim-de-semana. Quando vai a sair, vê que chegou um telex e não resiste a lê-lo. O documento anuncia que as Finanças declararam a empresa insolvente. "Ai, John! Que surpresa vais ter na segunda-feira!", exclama enquanto sai pela porta fora. Contava-se esta história, há já bastantes anos (no tempo dos telexes...), para sublinhar a forma como os ingleses respeitavam, e gozavam, o fim-de-semana. Lembrei-me dela a propósito da notícia de que tinham aumentado, muito, as pré-reservas de férias no Algarve. Talvez de tanto ouvirem falar de crise, os portugueses se tenham convencido de que ela vem, finalmente, aí. Para se precaverem dos eventuais efeitos, garantiram as férias. Em Setembro, quando voltarem ao trabalho, então, sim, terão a sua surpresa.
Quem acompanhe, minimamente, a agenda política já percebeu que Setembro pode ser já tarde de mais. O calendário imposto pelo programa acordado com a troika é muito exigente, havendo um conjunto alargado de medidas que serão tomadas antes do mês consagrado para as férias. Quem fez as pré-reservas é capaz, no entanto, de estar certo: tirando eventuais aumentos de impostos e de preços, a maioria das medidas só começará a doer na chamada rentrée que, este ano, promete ter pouco para celebrar.
Os portugueses não gostam que se lhes diga a verdade. Se for boa, duvidam: quando a esmola é grande, o pobre desconfia, diz-se. S. Tomé devia ser o nosso santo padroeiro. Quando é má, preferem que lhes mintam, que os enganem. Até ao dia em que não se possa ocultar mais a verdade. Tirando Ernâni Lopes, no governo de Mário Soares, não me lembro de nenhum político que, estando no Poder, tivesse tido a coragem de dar más notícias ou, pelo menos, as más notícias todas. Sócrates terá levado essa pusilanimidade quase à paranóia com a cena de apresentação do memorando de entendimento com a troika a ficar para a história. Fora do arco do Poder, o PC e o Bloco devem grande parte dos seus votos a dizerem uma verdade desejada, ficcionada, repetida até à alienação, ao ponto de eles próprios passarem a acreditar nela, faço-lhes essa justiça.
É este o desafio que Pedro Passos Coelho (PPC) enfrenta. Dizer a verdade a quem não gosta de a ouvir e que despediu Sócrates por ter percebido que este lhes fez a vontade tempo de mais e, ao fazê-lo, os vai forçar a ouvir uma verdade muito mais dura do que porventura seria necessário. Não gostamos que nos digam a verdade e, quando a sabemos, interpelamos: "por que é que não nos disseram antes?". Como se não a soubéssemos já e a culpa fosse do mensageiro. PPC vai ter de dizer a verdade toda, para o que precisa não só de coragem como de habilidade: a um povo dado ao fatalismo e a extremos, a verdade não pode desmotivar, nem ser lida como prenúncio da catástrofe mas, antes, como o custo da esperança. Se assim não for, crescerá a convicção de que o país só conseguirá sair da crise com medidas extremas: não pagar a dívida, sair do Euro. Um desastre para quem vive do seu trabalho e para quem tem dívidas acumuladas - e não há quase ninguém, desde os pobres até à classe média que, pela casa, carro, electrodomésticos, férias, abuso de cartões de crédito, eu sei lá, não devam dinheiro - mas que pode transformar--se na nova forma de camuflar a verdade e ganhar apoio popular. Por isso é tão importante que o PS se mantenha fiel ao que negociou e subscreveu.
A propósito da Grécia, Dani Rodrik coloca exemplarmente o problema, pelo que termino citando-o e adaptando a frase ao caso português: "a experiência da Grã-Bretanha entre as duas guerras - e, mais recentemente, da Argentina e da Letónia - demonstra ser a política que, em última análise, determina o resultado. Para o programa português ter alguma hipótese, o governo de PPC terá de fazer um esforço monumental para convencer os seus concidadãos de que o sofrimento económico é o preço que estão a pagar por um futuro melhor - e não apenas um meio para satisfazer os credores externos".
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