Miguel Portas
A derrota ocorre na sequência de uma governação que o Bloco combateu activamente. Terá perdido por causa disso? Não creio.
As palavras dispensam a cerimónia: o Bloco de Esquerda sofreu uma pesada derrota, a mais importante da sua ainda curta história. Durante as próximas semanas, cronistas e líderes de opinião decretarão mil vezes a sua morte, transformando desejos em notícia. Enganar-se-ão, porque as derrotas são, também, uma excelente oportunidade. Para quem saiba aprender com elas.
A derrota ocorre na sequência de uma governação que o Bloco combateu activamente. Terá perdido por causa disso? Não creio. Sócrates polarizou o país em pró e contra ele próprio e perdeu porque o país já não o aguentava mais. A derrota do Bloco foi, assim, concomitante com a de um governo que se demitiu sem honra nem glória, e que foi despedido com justa causa por 72 por cento dos eleitores. Nesta fractura, o Bloco esteve do lado certo, independentemente de se avaliar a oportunidade e o modo de execução da moção de censura. O paradoxo, se o há, mora noutro lado: ganha as eleições quem deu maioria à governação do PS e agora se prepara para administrar a agenda negociada pelos que partiram. É caso para dizer: estranha é a vontade do povo, e ínvios os caminhos que percorre...
Claro que o enquadramento em que decorreu a disputa eleitoral foi extraordinariamente desfavorável à esquerda. A imposição, a três semanas do voto, de um resgate apoiado pelos três principais partidos e anunciado como obrigatório, inevitável e necessário até para o pagamento dos salários em Junho, prejudicou o campo da oposição de esquerda. Muitos decidiram não ir votar por acharem que não valia a pena e outros tantos preferiram as lógicas de voto útil, seja contra o PSD, seja contra José Sócrates. Nem a abstenção, nem o voto útil afectaram o PCP, mas ambos penalizaram duramente o Bloco de Esquerda. À luz do que vi e ouvi em campanha e ponderados os resultados, não tenho dúvidas em afirmar que o Bloco deveria ter ido à reunião com o FMI. Por bons que fossem os argumentos, ninguém os compreendeu. Nem os que queriam que lá fôssemos ‘dizer umas verdades’, nem os que tinham a ilusão de que a participação poderia suavizar o resultado. Estou à vontade para o dizer porque participei na decisão e porque a defendi. Dou agora a mão à palmatória.
Discutir o passado serve para preparar o futuro. Ele já aí está, embora ainda mal se adivinhe – é o de um regime de credores confirmado parlamentarmente por três partidos. A violência desta era de Protectorado colocará na agenda política a renegociação da dívida, acabará por provocar realinhamentos políticos e fará saltar para a ribalta novos protagonistas. Do que o Bloco precisa não é de substituir líderes à pressa, mas de dar ao seu povo sinais claros de que a avaliação de acertos e erros envolve todos os capítulos, incluindo os da renovação da sua direcção.
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