sexta-feira, junho 17

O caminho das pedras

António Vitorino


Por estes dias convém suster a respiração. Não propriamente para saber se o novo governo português consegue ou não entrar em funções antes do próximo Conselho Europeu, que parece ser o grande tema da política nacional em função das peripécias da assembleia de apuramento de votos dos portugueses residentes no Brasil.
Suster a respiração, isso sim, para saber o que vai suceder ao novo empréstimo a conceder à Grécia. E não se pense que a decisão em causa se reveste de menor importância para Portugal. Pelo contrário, bem se pode dizer que muito do que poderá fazer o próximo governo português se joga já, à cabeça, na decisão sobre a Grécia!
A história pode resumir-se em poucas palavras: mostrando-se, ao fim de um ano, insuficiente o quadro de medidas e de resultados de aplicação do programa de ajustamento acordado pela Grécia com as instâncias internacionais, a solvabilidade do Estado grego depende de um novo empréstimo e da adopção de um novo pacote de medidas de austeridade.
Na semana passada, tudo parecia encaminhado para um acordo sobre ambos os elementos, quer no quadro europeu quer no plano nacional grego. Contudo, um conflito entre a posição da Alemanha e do Banco Central Europeu acerca das condições de responsabilização ou de sustentação da exposição dos detentores privados de dívida pública grega no novo ciclo veio pôr em causa o que já se considerava adquirido. Pelo meio, uma leitura estrita das agências de rating veio adensar o nervosismo envolvente.
Na Grécia, por seu turno, gorou--se uma tentativa de construir um consenso entre o Governo e o principal partido da oposição em torno deste novo pacote de austeridade, havendo sinais de que nas próprias fileiras da maioria parlamentar pode haver defecções que porão em causa o resultado da votação. Avolumam-se, pois, as probabilidades de acrescer a um agravamento da crise económica e social uma crise política que obrigará a convocar novas eleições num prazo não muito longo.
Neste quadro ganha nova dimensão a preocupação pela retoma do "efeito de contágio" que um impasse prolongado em encontrar uma solução para a crise grega pode vir a ter na Zona Euro. E é neste ponto que se justifica que os portugueses sustenham a respiração!
Podemos repetir até à exaustão que Portugal não é a Grécia, como o fizemos no passado, e sabemos que é a mais pura das verdades, mas, mesmo assim, não podemos deixar de estar preparados para o facto de estarmos na linha de mira de um efeito expansivo negativo do prolongamento da incerteza quanto à resolução da crise grega.
O dano mais imediato advém de vários responsáveis europeus proferirem declarações contraditórias sobre o caminho a seguir, sobretudo na parte que diz respeito à co-responsabilização futura dos interesses privados. A exigência de uma tal co-responsabilização compreensivelmente encontra respaldo na pressão nesse sentido exercida junto dos respectivos governos pelas opiniões públicas dos países contribuintes do resgate grego. Do lado da Grécia, a perspectiva de mais austeridade suscita a indignação e a revolta da respectiva opinião pública nacional, que passa assim, também compreensivelmente, a considerar que os planos de resgate não só não resolvem como agravam a situação do país.
Ao conjugarem-se estas duas pressões de sinal contraditório, avolumadas pela verdadeira chantagem das agências de rating que ameaçam ver em qualquer solução que altere as condições dos credores um facto equiparável ao incumprimento das obrigações da dívida, geram uma situação que testa os limites do consentimento democrático nos dois pólos das partes envolvidas. O mesmo é dizer, gera uma tensão entre a democracia dos países financiadoras e a democracia do país recebedor.
Já se sabia que o ajustamento económico e financeiro seria duro e difícil. Este é o momento em que podemos estar à beira de iniciar o caminho das pedras das próprias instituições democráticas dos países envolvidos.
Não será difícil compreender, de facto, porque é que nos próximos dias estaremos aqui em Lisboa suspensos do que for decidido em Bruxelas e em Atenas... E já agora em Berlim!

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