sexta-feira, junho 10

A questão do euro é política

Francisco Sarsfield Cabral



O euro vale agora cerca de 1 dólar e 43 cêntimos. Quando nasceu valia 1,17 dólares. Depois baixou, gerando receios de não se aguentar, mas recuperou, chegando a quase um dólar e meio. Um câmbio demasiado alto para as exportações europeias, mas revelador de uma moeda que não é tão débil como se diz (é certo que as perspectivas de subida da taxa directora do BCE impulsionam a cotação do euro).

Há dias o Banco Mundial publicou um estudo onde se prevê que daqui a 15 anos o dólar já não será a única divisa hegemónica, tendo que partilhar essa posição com a moeda chinesa e o euro.
Dito isto, a verdade é que o euro está metido num sarilho. O problema imediato é a dívida soberana de alguns países. Os governantes gregos e portugueses e os banqueiros irlandeses são os principais responsáveis pela situação. Mas também há culpas da Comissão Europeia e do Ecofin, que fecharam os olhos aos défices orçamentais e externos desses países. Os próprios mercados, durante anos, quase não distinguiam entre as dívidas dos vários Estados do euro. Só a crise grega os acordou para as diferenças.
Os alemães, que relutantemente substituíram o marco pelo euro, receavam a indisciplina financeira da Itália. Por isso impuseram o Pacto de Estabilidade. Só que a própria Alemanha violou o Pacto, sem consequências. A disciplina do euro não funcionou. Por outro lado, consta do Tratado a proibição de resgatar um país da Zona Euro. Por isso, os juros dos empréstimos da UE são mais altos do que os do FMI: é que, se o crédito for concedido muito abaixo dos juros do mercado, o Tribunal Constitucional alemão poderá proibir a ajuda.
O resultado é, por um lado, uma enorme desorientação e uma longa hesitação dos dirigentes europeus, e em particular de A. Merkel, na resposta à crise da dívida soberana. E, por outro lado, essa resposta é (sobretudo no caso da Grécia) tão punitiva que não resolve, antes agrava, os problemas financeiros dos países que recebem a ajuda.
Ou seja, a arquitectura do euro tem falhas (contra mim falo, que sou defensor da moeda única). Delors insistia na necessidade de um ‘governo económico europeu’ para contrabalançar o governo monetário do BCE. Mas o que se avançou nesta área foi pouco, quase só para evitar derrapagens orçamentais e não para coordenar políticas económicas. Contra o que se esperava, o euro não foi um dinamizador da integração política europeia.
Com um orçamento comunitário que não chega a 1% do PIB da UE, não podem funcionar os ‘estabilizadores automáticos’ que existem nos Estados federais. Se, por hipótese, o Estado do Texas entrasse em recessão (por cair o preço do petróleo, por exemplo), automaticamente – isto é, sem necessidade de qualquer decisão política – os texanos passariam a receber mais dinheiro de Washington (subsídios de desemprego, etc.) e diminuiriam as receitas fiscais transferidas para a capital, pois os rendimentos das pessoas e das empresas do Texas seriam mais baixos. Nada disto existe na Zona Euro.
Poderá o euro subsistir apesar de aumentarem as divergências de crescimento económico entre os países da zona? Há a hipótese de a Zona Euro se limitar aos ‘bem comportados’, expulsando os outros, como Portugal (o que seria para estes uma tragédia económica). Além disso, o fim do euro tal como o conhecemos revelar-se-ia provavelmente fatal para manter o Mercado Único europeu e para toda a construção europeia.
No fundo, a questão é política. Estarão hoje os alemães dispostos a apostar no euro e na construção europeia, como apostou Kohl? Isso implicaria a RFA aceitar coisas que até agora tem recusado, como a UE emitir euro-obrigações ou permitir que o futuro Fundo de Estabilização Financeira compre dívida soberana. Ora, Berlim mostra-se cada vez menos solidária com os seus parceiros. Não apenas na Europa: recorde-se a abstenção alemã na resolução do Conselho de Segurança sobre a Líbia. E a opinião pública da RFA está contra ajudar os países periféricos. As perspectivas não são famosas.

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