sexta-feira, junho 24

"A bem da Nação"

Manuel António Pina

Desta vez os agricultores que pedem a demissão do ministro da Agricultura quando há cheias, ou seca, ou o tempo não tem nada que se lhe diga, foram completamente ultrapassados: às 14,06 horas do dia 21, acabara o Governo de tomar posse e os novos ministros ainda estavam a cumprimentar-se uns aos outros, já a Lusa divulgava a notícia de que António Galamba, governador civil de Lisboa, exigia a demissão do Governo.
Galamba ouvira anunciar a extinção dos governos civis e só teve tempo de ligar-se ao Facebook para se demitir ele próprio e reclamar a demissão do Governo, pois o fim dos governos civis irá afectar "indirectamente, os cidadãos" e "directamente os bombeiros e forças de segurança". Galamba só se esqueceu dos candidatos dos partidos do Governo derrotados em eleições autárquicas, que deixarão agora de ter para onde ir.
Nos anos 60, os proprietários de tabernas de Bustos, Oliveira do Bairro, dirigiram ao presidente da Câmara um requerimento, de que tenho por aí cópia, reclamando o alargamento do horário para depois da meia-noite. Tudo, obviamente, no interesse da freguesia; assim a modos como os empresários reclamando hoje "subsídios" e "apoios", não no interesse das suas empresas, mas só com o generoso intuito de criar postos de trabalho. E a coisa terminava: "A bem da Nação/ Os taberneiros de Bustos".
Porque me terei eu lembrado desta história quando li notícia da Lusa das 14,06?

Opinião Sinais

Pedro Bacelar de Vasconcelos
A mesma Constituição que só autoriza o presidente a demitir o Governo "para salvaguardar o regular funcionamento das instituições democráticas" não põe qualquer limite substancial ao poder que lhe atribui para dissolver a Assembleia da República e convocar eleições legislativas antecipadas. Por este aparente paradoxo, armadilha fatal para os estudantes de Direito menos aplicados, é mais fácil convocar eleições do que demitir o Governo, embora este caia também no caso de dissolução. Para dizer que estas eleições não eram inevitáveis nem convenientes, até que se demonstrasse o contrário. A sua inevitabilidade começou a esboçar-se com a tomada de posse de um governo minoritário em 2009 e foi crescendo até às eleições presidenciais de Janeiro de 2011. Em Março, com a rejeição do IV Plano de Estabilidade e Crescimento, o reconhecimento da sua conveniência foi-se tornando consensual.
Apesar dos apelos veementes de Mário Soares, nem os partidos nem o presidente quiseram procurar entendimentos que evitassem os custos da antecipação das eleições e dos inerentes quatro meses de governos de gestão que se prolongam até à aprovação parlamentar do programa do novo Governo, o que ainda aguardamos para Julho. Os "mercados", com a sua indiscutida omnisciência, logo mostraram saber interpretar estes sinais. Entretanto, o Governo novo já está quase completo e o seu sucesso tornou-se uma compulsiva esperança nacional, dure quanto durar o ciclo político agora inaugurado. Há que perscrutar os sinais que a possam confirmar.
O primeiro sinal foi a eleição de Assunção Esteves para a Presidência da Assembleia da República. Desde logo, pela importância simbólica de ser a primeira mulher a presidir à mais alta instância da representação democrática e por não lhe faltarem qualidades nem experiência para o cargo. Saiu também reforçada a dignidade da instituição parlamentar e, tendo a sua escolha recolhido apoios transversais a todas as bancadas, credibilzou-se também a dupla dimensão do Parlamento, de fazer leis e de fiscalizar a acção governativa. Por fim, a sua eleição à primeira tentativa com mais oitenta e um votos que o candidato antecedente fez esquecer a derrota da desastrada opção da véspera.
O segundo sinal foi o anúncio de que não haverá nomeação de novos governadores civis. Esta é uma decisão coerente com o compromisso assumido na campanha eleitoral de extinguir finalmente esta inútil excrescência da nossa organização político-administrativa. Porém, a Constituição, no capítulo das "disposições finais e transitórias", associa a extinção dos distritos à "instituição concreta" das regiões administrativas, o que reclama uma cirurgia ligeira em sede de revisão constitucional. Os sucessivos adiamentos desta promessa constitucional explicam a sobreviência anómala dos governadores civis e a persistência do distrito como círculo eleitoral, para o apuramento e a conversão de votos em mandatos.
Por isso, e para que este sinal não se revele um mero afloramento demagógico, é absolutamente necessário proceder a uma redistribuição bem ponderada das competências actualmente confiadas aos governos civis, a entidades e organismos já existentes. Os principais beneficiários desses poderes deverão ser os municípios e as comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), por forma a consolidar o Poder Local e a promover a descentralização administrativa, valorizando o planeamento, a racionalidade e a economia de recursos. Tudo isso impõe uma cuidadosa reforma legislativa que consolide a escala regional como nível intermédio entre a Administração Central e Local, e que reforce o papel das actuais CCDR, essenciais à correcção das assimetrias de desenvolvimento que não pararam até hoje de se agravar.
Enfim, o Governo já voa no espaço aéreo europeu. Em turística. Ficou lavrado o precedente de um rigoroso escrutínio e transparência a que o Governo, espontaneamente, se pretende submeter. O que, vivamente, se saúda!

A esquina do Rio

Manuel Falcão
Hoje começo esta coluna a elogiar Jorge Coelho.


Elogio
Hoje começo esta coluna a elogiar Jorge Coelho. Na noite de terça-feira ele deu uma notável entrevista à RTP N na qual deixou uma série de recados importantes para dentro do PS - nomeadamente salientando que agora começa um novo ciclo, que terá novas metas e que obrigará o PS a reorganizar-se. Que diferença fazem estas palavras das ameaças veladas emitidas por Santos Silva à saída da posse do novo Governo ou, ainda, da permanente arrogância e pesporrência de Jorge Lacão, no mesmo dia, nas mesmas circunstâncias. Jorge Coelho falou do futuro e recomendou ao PS que pense no que fez e no que quer agora fazer. Tenho admiração por homens que são capazes de se retirar como Jorge Coelho se retirou, assumindo responsabilidades políticas e saindo de cena em circunstâncias tão graves como foi a queda da ponte em Entre-Os-Rios. E, quero dizê-lo (e perdoem-me os leitores o estilo confessional) tenho uma verdadeira e sincera admiração pelos homens e mulheres que aceitaram a responsabilidade de integrar este Governo nesta altura tão complicada, com um programa de acção em boa parte imposto de fora, mas que é provavelmente o estreito caminho que ainda nos pode levar a um futuro melhor. Espero que nesta legislatura se façam menos disparates, que não existam deputados a sonegar gravadores que registam perguntas incómodas de jornalistas, espero que haja responsabilidade, que haja atenção à realidade e, sobretudo, que exista menos arrogância e menos teimosia. A actividade cívica e política não pode ser entregue a um bando de carreiristas e oportunistas - é bom saber que existe quem saiu do seu conforto para tentar resolver os problemas. Eles estão num batalhão que já partiu para a frente de batalha. Têm o seu quê de guerrilheiros, têm coragem, merecem respeito e oportunidade para mostrar o que valem. Estou à vontade - não votei em quem venceu, pela primeira vez optei pelo CDS e divulguei-o em tempo oportuno. Mas espero que a solução que se encontrou permita uma governação equilibrada e sobretudo eficaz. Porque essa eficácia é a única coisa que nos permite pensar que existe uma oportunidade de vivermos, todos, num País melhor.


(...)

Registo
Uma coisa é certa - já se percebeu que Pedro Passos Coelho é adepto de experimentar, errar, avaliar, corrigir. Não é um método impossível, em política, mas tem custos elevados e um prazo de validade relativamente curto. Começou a campanha eleitoral neste registo - com a indicação de Fernando Nobre para cabeça de lista pelo círculo de Lisboa - e começou a actividade Parlamentar arriscando - e sofrendo - uma derrota, exactamente pela persistência em manter Fernando Nobre. Algumas pessoas dizem que é sinal de carácter e de fidelidade aos compromissos. Aceito isso, mas também acho que há alguma dose de teimosia - e a teimosia em política (e noutras coisas da vida), não é boa conselheira. No entanto, convém dizer que uma grande parte da responsabilidade do mau começo parlamentar da maioria tem a ver com a falta de carácter do próprio Fernando Nobre - um facto curioso porque foi baseado no seu suposto carácter que ele terá sido escolhido. No entanto o seu percurso, na política e na forma como organizou e dirigiu a AMI, não é o melhor indicador de um bom carácter. Sei que isto poderá chocar alguns, mas é o que penso. No mínimo criou demasiadas situações dúbias. Quando ele foi candidato, felizmente derrotado, às Presidenciais, escrevi que ele fez carreira à custa de um bom aproveitamento mediático do sofrimento alheio - e mais tarde quis prolongar esse aproveitamento na política e foi aí que se perdeu. Que as duas derrotas seguidas sofridas o façam pensar e corrigir a forma como se comporta.

(...)

Cultura
Interessam-me mais os actos do que os símbolos. Em matéria de política cultural, o que sei é que nestes últimos anos tivemos muito simbolismo mas muito pouca obra. Tivemos um Ministério que fez menos que muitas Secretarias de Estado. O Ministério da Cultura teve titulares com menos poder ou capacidade política do que muitos Directores-Gerais. Uma Secretaria de Estado da Cultura na dependência directa do Primeiro-Ministro tem maior peso político e capacidade de interlocução com as áreas com que tem de se entender (Finanças, Negócios Estrangeiros, Turismo, Educação, Economia, Audiovisual), do que um Ministério que é o último na lista das precedências do Estado. Espero que Francisco José Viegas desempenhe bem o lugar, embora não resista a uma maldade: não é preciso muito para fazer melhor que Gabriela Canavilhas. Espero que a diferença seja sensível e que, sobretudo, tenha em conta as novas áreas da criatividade e não apenas o património, edificado ou editado.

Arco da velha
Os gastos públicos ilegais quase triplicaram em 2010 face a 2009 - o Tribunal de Contas detectou quase 3 mil milhões de euros de despesa pública irregular.

Semanada
No fim-de-semana, Fernando Nobre esteve com Paulo Porta. Nesses dias terá feito contactos com pessoas próximas do PS e seus companheiros de outras lides; depois de todas estas conversas fez constar que teria possibilidades de ser eleito Presidente da Assembleia da República; dirigentes experientes do PSD acreditaram nele e vieram afirmá-lo e até Marcelo Rebelo de Sousa lhe vaticinou vitória. Segunda-feira foi a votos e tornou-se no primeiro candidato a Presidente da Assembleia da República a ser derrotado em duas votações seguidas. A sua expressão facial no momento do anúncio da segunda votação não escondeu a raiva. Resta a dúvida: enganou ou foi enganado? Eu acho apenas que foi ingénuo e que a única coisa que lhe cabia, desde o dia em que foi eleito deputado, era desvincular o líder do PSD do acordo que terão feito. Aí teria dado prova de grandeza. Persistindo na ambição, acabou humilhado. E não ajudou quem, em má hora, o escolheu para deputado. A cara que fez quando percebeu o resultado de Assunção Esteves diz tudo sobre a sua pessoa. Felizmente está registada em fotografia, publicada na imprensa.
(...)

Má língua

Leonel Moura
Quando só se tem um martelo, todos os problemas parecem um prego.

Esta frase, espirituosa, descreve bem a propensão que temos para reduzir qualquer questão à nossa área de saber ou interesse. Ou seja, para simplificar o que é complexo. Veja-se, a título de exemplo, o debate sobre o nunca resolvido tráfego automóvel nas cidades. Para um arquiteto o problema resolve-se com o desenho urbano; para um engenheiro com túneis e viadutos; para um académico com um modelo estatístico; para um ambientalista eliminando os carros; para um economista com taxas; para um político com discursos. 

A tendência para o reducionismo é uma constante. Imagina-se que desmontando um Todo em pequenas partes e, tratando cada uma delas isoladamente, é possível resolver qualquer problema. Não é. Esquecem-se dois conceitos fundamentais. O de Gestalt, o Todo superior à soma das partes, e o de Emergência, a produção de complexidade a partir de múltiplas interações simples. Embora não pareça, vem isto a propósito das primeiras declarações do novel secretário de estado da cultura, o escritor Francisco José Viegas. Afirma ele que vai dar prioridade à promoção da língua e do livro. Ou seja, temos martelo. Homem da escrita e dos livros é perfeitamente natural que considere a língua como a coisa mais importante da política cultural do Governo. Aliás, não é o único e nem sequer existe aqui uma conotação ideológica. Basta recordar como a temática da língua também foi prioritária para os ministros da cultura dos governos do PS, José António Pinto Ribeiro e Isabel Pires de Lima. Esta última até queria construir um bizarro "Museu do Mar da Língua Portuguesa". Mas se a questão não é ideológica do ponto de vista político, é ideológica do ponto de vista cultural. Ou seja, esta ideia de que a língua portuguesa é central para a afirmação da nossa cultura no mundo é, não só retrógrada, como não tem nada a ver com a realidade deste mundo. Há muito que a língua deu lugar à comunicação. Num ambiente tecnológico de permanentes contaminações e mutações, a língua pensada como identidade não existe mais. Hoje pouco importa em que língua se escreve ou se fala, ou tão-pouco como se escreve ou se verbaliza. A comunicação é tudo. Pode ser produzida de múltiplas maneiras, combinando línguas e linguagens, misturando palavras e imagens, criando situações e interações. Na noção de hipertexto, a base da Internet, não existe a ideia de texto único, fechado, nem de linguagem coesa. Quando navegamos na Internet passamos de um texto para uma imagem, um vídeo, outros textos, na mesma ou noutras línguas, e por aí fora. Não há nestes exercícios, tornados tão banais, lugar a nenhuma pureza da língua. Tudo se mistura e se recombina. E com as novas plataformas digitais saltamos não só de mensagens, mas igualmente de meios. Por isso nunca entendi esta obsessão na promoção da língua portuguesa que tanto anima a vasta maioria da nossa intelectualidade. Julgo que se deve, paradoxalmente, à decadência cultural. A esse caldo de ideias, entre o saudosismo piegas e o reacionarismo rude, que se deleita na evocação dos descobrimentos, dos grandes feitos de antanho e da língua pátria de Fernando Pessoa, mas se recusa a encarar o presente. Contudo, nestas coisas é bom ser pragmático. A questão não está em escrever ou falar português, mas em dizer o quê? Permito-me contar uma pequena história elucidativa. Numa reunião em Bruxelas, com cerca de 20 pessoas de vários países europeus, uma deputada belga irritou-se por não existir tradução simultânea e se falar basicamente inglês ou francês. Como forma de protesto fez todas as suas intervenções em flamengo. A vasta maioria dos presentes não percebeu nada do que ela disse. E também ninguém se preocupou muito com o assunto. Toda a gente entendeu perfeitamente que, para além da afirmação do serôdio orgulho nacionalista, na realidade ela não tinha nada mais a dizer. A promoção da língua, como trave mestra de qualquer política cultural, representa uma forma de reducionismo da complexidade cultural em que vivemos. Em si não representa nada, nem alcança nada. O que importa mesmo é o que temos para dizer e não a língua em que o fazemos.

Imbróglio no Parlamento. E agora, Pedro?

Baptista Bastos



O dr. Fernando Nobre submeteu-se, e foi submetido, a uma humilhação sem nome.
Os deputados não o admitiram como Presidente da Assembleia; Passos Coelho insistiu, com uma obstinação pelo menos surpreendente; e o próprio Fernando Nobre aceitou uma segunda volta vexatória. Não sei quem saiu vencedor desta peleja tão absurda quanto vergonhosa. Passos deveria ter recuado; Nobre não deveria ter aceitado; e o PSD não seguiu as ordens do seu presidente. Por outro lado, a "coligação" quebrou a sua aparente harmonia. O facto de Nobre ter sido escorraçado era previsível e, até, extremamente ponderável. Este estranho braço-de-ferro ainda lança opróbrio maior ao fundador da AMI. 

Não gosto de escrever estas palavras. Simpatizo pessoalmente com Fernando Nobre, embora as suas escolhas me tivessem espantado e deixado um pouco indignado, pelo alto estofo ético que atribuía ao nomeado. Almocei com ele uma vez, a seu convite, e associei o combate em que militava com muitos dos combates da minha geração. Motivo mais do que suficiente para o apreciar e estimar. O humanismo sorridente e o ar bondoso do seu olhar cativaram-me. Escrevi umas frases simpáticas. Mantenho-as. Embora não encontre, ainda hoje, resposta para as dúvidas e perplexidades que me assaltaram, quando da sua adesão formal ao PSD. 

Porquê? O programa do PSD contraria tudo o que o dr. Nobre tem defendido. Ainda me recordo da sua indignação veemente, quando, num programa de Mário Crespo, se insurgiu contra o sistema de saúde nos Estados Unidos. Um documentário fora exibido sobre um grupo de médicos americanos que, sem nada em troca, se haviam juntado para auxiliar quem deles precisasse. E um homem testemunhava o seu drama: percorrera mais de 400 quilómetros para ser assistido por um desses médicos, porque não tinha dinheiro para tratar de um dente, que o atormentava com dores. 

"É isto que eu não quero para o meu país!" exclamou Fernando Nobre, quase colérico. A indignação de Nobre era a minha indignação, e mais se acentuou a consideração e estima que por ele eu nutria. "Isto" é o que Pedro Passos Coelho se propõe impor e, por decorrência, o amolgamento ou a subversão total do Serviço Nacional de Saúde. E não me venham com paliativos retóricos. Nobre era, pois, um guerreiro da mesma tribo e um homem cujas palavras estavam em conexão com as suas admiráveis acções. 

Não sei o que se passou na cabeça deste homem. A verdade é que, se ganhou alguns afectos momentâneos, perdeu muitos milhares de amizades, nascidas da mesma origem que faz a solidariedade das pessoas. Não estou a fazer julgamento moral de um homem cujo passado sem mácula é um indicativo de coerência e de desprendimento. Apenas lamento. E lamento ainda mais porque muitos daqueles que seria previsível apoiarem-no, o rejeitaram por duas vergonhosas vezes. 

Que vai fazer, agora, Fernando Nobre, uma vez que se malogrou o desejo de ser Presidente da Assembleia da República? E aquele que o irá substituir com que justificação aceitará o cargo, no fundo, de terceira escolha? Assisti às palmadinhas nas costas e aos beijinhos caridosos que Nobre recebeu, após o conhecimento dos resultados do segundo escrutínio. Todos estes gestos possuíam o cunho da hipocrisia deslavada, e Nobre, encolhido na sua cadeira no Parlamento, era um homem colhido entre a surpresa e o pejo. 

Por outro lado, esta primeira derrota de Pedro Passos Coelho terá, necessariamente, repercussões. A obstinação do presidente do PSD enfrentou a obstinação declarada de Paulo Portas. As coisas, creio, não ficarão na mesma. Que se seguirá?

"Um bacalhau, um pão-de-ló e uma salsicha"

Nicolau do Vale Pais



O vereador do Ambiente da Câmara Municipal de Lisboa (CML) entrou numa nova fase da sua carreira política
O vereador do Ambiente da Câmara Municipal de Lisboa (CML) entrou numa nova fase da sua carreira política: celebrou efusivamente ao "Público" os 100 mil euros que a CML terá ganho (ou poupado) com o "Mega Pic-Nic" que no passado fim-de-semana pôs o Marquês de Pombal em polvorosa. Disse José Sá Fernandes sobre a "mecenática" cadeia de hipermercados Continente, do Grupo Sonae, que esta "além de promover uma festa gratuita que custou [à marca] milhões de euros, arranjou todos os espaços verdes e financiou a reparação de um terreno hortícola em Campolide". Já o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa disse que "graças a esta iniciativa" estava "a usar os media para transmitir duas mensagens fundamentais - apostar na produção nacional e na sustentabilidade da cidade"; António Costa não entrou numa nova fase da sua carreira política. 

É irresistível perguntar se a algum dos cavalheiros por acaso terá ocorrido responsabilizarem-se pela nossa qualidade de vida com o poder que nós lhes conferimos pelo voto e impostos, ou se andam nisto para "usar os media"; é que me parece muito melhor para a agricultura e produção nacionais que eu, cidadão, possa desfrutar dos espaços verdes da cidade para além daqueles que o Grupo Sonae considera estarem à altura do seu genial marketing, e que o faça com mais uns euros no bolso que me sobrem de, por exemplo, soluções para habitação e transporte sustentáveis, realmente pensadas para os habitantes. Se a CML não tem 100 mil euros para investir nos espaços públicos, para que serve uma Vereação do Ambiente? 

Está a chegar o Verão e com ele o descalabro disfarçado de "silly season"; as praias e as urbes serão transformadas num espectáculo feérico à altura da periférica imaginação de autarcas que ainda não perceberam que são eles os tristes, os mais tristes, às vezes os únicos tristes, e que nós não precisamos de ser "animados". Durante alguns meses, as Cidades e as Paisagens promoverão marcas e serviços ao preço da uva mijona, enquanto desesperadamente os nossos líderes darão a volta ao texto para nos convencerem do contrário, das benesses do plástico insuflável e das cabras a pastar no Parque Eduardo VII, ali mesmo, por cima do Túnel do Marquês; mais para o interior, em Mangualde, a morte por homicídio premeditado do tecido produtivo agrícola nacional já "largou" os terrenos, para que agora se possa apostar no "desenvolvimento local". Como? Com uma praia, sim, uma praia artificial que, porque estamos no Portugal das Autarquias, não poderia deixar de ser "das-maiores-de-qualquer-coisa-que-o-guiness-há-de-certificar". Há praia em Mangualde, e cuidado que se Santana Lopes torna à Figueira da Foz, ainda teremos vinhedo no areal, para "impulsionar" a região e "promover" mais um "oásis", a caminho da promissão de transformar o jardim à beira-mar plantado, na "Califórnia da Europa". 

"Telescópio de Bolso" vai para férias, bem necessitadas para purgar a ironia, antes que ela se transforme em cinismo. No iCoiso levo, entre muitos, Sérgio Godinho e a história do valente Casimiro contada em "Cuidado Com As Imitações": "Lá na aldeia havia um homem que mandava toda a gente, um por um, pôr-se na bicha; e votar nele, se votassem, lá lhes dava um bacalhau, um pão-de-ló, uma salsicha. (...) Mas o Casimiro era fino do ouvido, tinha as orelhas equipadas com radar: ouvia o tipo muito sério e comedido, mas lá por dentro com o rabinho a dar, a dar (...) Punha o ouvido atento, via as coisas por dentro, que é uma maneira de melhor pensar; via o que estava mal e, como é natural, tentava sempre não se deixar levar. E dizia ele, com os seus botões: cuidado Casimiro, cuidado minha gente, cuidado, justamente, com as imitações". 

O álbum chama-se "Campolide", a tal freguesia alfacinha dos terrenos hortícolas que nos hão-de matar a fome. Voltamos a 15 de Julho. 

XIX Governo - Ponto de vista

João Quadros



Que raio de governo é este?! 5 OPUS + 5 MAÇONS + 1 Portas para baralhar!
XIX Governo - Ponto de vista (-)
Que raio de governo é este?! 5 OPUS + 5 MAÇONS + 1 Portas para baralhar! Temos um governo que parece os Onda Choc! É o governo XIXi , cama, que já passa das nove. Ainda para mais, com a quantidade de ministérios que têm de gerir, dava jeito gente mais velha: ministros com mais de setenta anos, que são pessoas que não têm necessidade de ir à cama porque já dormem pouco; e normalmente no sofá. Nem o Professor Marcelo com uma transfusão de RedBull dava conta do trabalho do novo ministro da Economia. 

A ideia, peregrina, de um governo pequenino para poupar acabou por dar nisto: um governo que parece aquelas pessoas que insistem em comprar roupa dois números abaixo, porque a seguir ao Verão vão emagrecer. Não serve para nada e é dinheiro deitado à rua. O mini-governo sub-41 é um anão que quer ir ao Mundial de sumo. 

O problema deste governo foram os sondados - os sondados eram muito melhores que o resultado final. O XIX foi feito por Portas e Passos Coelho na presença de cinco senhores do governo civil e com a ajuda de uma tômbola. 

Nas Finanças temos Vítor Gaspar. Um técnico… que acredita na sorte. Não podemos ter um ministro das Finanças que diz: "preciso de imensa sorte". Mas desde quando é que Portugal tem sorte?! Vê-se mesmo que está há uma data de anos lá fora. Vítor Gaspar é um defensor radical do euro, se não nos portarmos bem ele põe-nos fora! 

Álvaro Santos Pereira é um macro-economista, num governo que se diz pequenino. É um miúdo que tem estado a fazer "inter-rail" num comboio de gente chata. E usa barbicha. Este país é muito pequeno para dois génios - que sabem qual é o melhor caminho para Portugal -, e já cá temos o António Barreto. 

Paulo Macedo na Saúde é um escândalo! Vai para a saúde mas tem medo de agulhas! Com Paulo Macedo a Saúde vai ter missa do sétimo dia. E será que posso confessar, ao ministro da Saúde, que as minhas dores de cabeça são causadas pelo BCP? 

Paula Teixeira Cruz, na Justiça, é a russa da salada. Miguel Relvas vai ser uma tragédia, e quanto a Nuno Crato, na Educação, acho que os professores vão levar sete anos a descodificar a fórmula de avaliação dos professores de Nuno Crato. 

Pedro Mota Soares ainda agora chegou e já vai trocar a vespa por "sidecar" com motorista. Para terminar, Assunção Cristas no ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território… ainda bem que ela é crente porque só lá vai com um milagre. Se ainda fosse para o ordenamento do Mar. Agora, pôr na Agricultura uma pessoa que não acredita no boletim meteorológico porque acha que Deus é que sabe e ninguém pode prever o tempo... Vai ser bonito. Dou quatro meses a este governo. 


PS - até para presidente da AR, Coelho tem de ir a segundas escolhas. Neste Portugal de faz-de-conta, só nos faltava a Fada Sininho a PAR!



Governo - Ponto de vista (+)
Que maravilha de governo! É só gente jovem, sem problemas de próstata; que fazem perder tanto tempo que podia ser usado a trabalhar. São pessoas que vão aproveitar a oportunidade para levar o País para diante e para sair de casa dos pais. Com a quantidade de ministérios que têm de gerir, este trabalho só seria possível ser feito por pessoas ainda habituadas a fazer directas. São ministros que ainda estão habituados a marrar e, essencialmente, o que este governo tem de fazer é decorar o acordo da troika e tê-lo na ponta da língua. Estão numa idade em que olham para as contas públicas com a mesma desconfiança com que vão ao concerto da Amy Winehouse, e Portugal precisa disso. Passos Coelho começou muito bem quando disse: "não existem varinhas de condão", porque, realmente, eles ainda são muito novos e podem acreditar nessas coisas. Mas convém que continuem com medo do Papão da saída do euro. 

A ideia, fantástica, de ser um governo pequenino para poupar acabou por resultar num governo de tamanho ideal, em termos de custos caso a RTP queira voltar com o Contra-Informação. 11+1 é o meu número da sorte. 

Nas Finanças, temos Vítor Gaspar. Um técnico brilhante que tem tanto prestígio lá fora que surpreendeu tudo e todos quando foi nomeado ministro das Finanças de Portugal, porque as pessoas pensavam que ele não era português. 

Na Economia temos o grande Álvaro Santos Pereira, um macro-economista, muito melhor que o Catroga, que já não teria capacidade para decorar o nome completo do ministério. Catroga havia de andar, todos os dias, horas, à procura do Ministério do Trabalho até alguém lhe lembrar que já não se usa. 

Na Saúde não podia haver melhor que Paulo Macedo - Consta que ele é capaz de curar doenças só com o auxílio do Powerpoint. Com Macedo, acabam os exageros na febre; ele descobre alhos por mais que os escondam. 

Paula Teixeira Cruz, na Justiça, é o ideal porque a Justiça deve ser cega e ela tem um olhar meio pitosga. Miguel Relvas… vai ser uma tragédia. Quanto a Nuno Crato, na Educação, é a garantia de uma poupança brutal em livros escolares porque a maioria dos alunos vai ficar sete anos sem passar de ano. 

Pedro Mota Soares mostrou que é um homem que sabe onde se vai meter: chegou de vespa e trazia capacete que, ao contrário da mota, não vai deixar de usar. 

Para terminar, Assunção Cristas no ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território não podia ser melhor escolha. Ela acredita na omnipresença. E até pode ser "poster" central do "Borda d'Água" de Agosto!! O melhor de tudo é que, segundo fui informado, o novo secretário de Estado dos Assuntos do Mar vai ser o Facebook de Cavaco Silva! Vai ser bom. Temos governo para 45 anos. 


PS - Que bela escolha para PAR. Assunção Esteves traz alegria e pode abrir a sessão com um: Supercalifragilisticexpialidocious.

quinta-feira, junho 23

Da economia paralela

Paulo Ferreira


"Um médico passou 32 mil receitas num ano. Outros, com mais de 80 anos, ainda prescrevem. Alguns, afinal, já morreram. Há serviços públicos onde se prescreve seis vezes mais do que noutros idênticos. E há um número: 40% dos gastos do Estado com fármacos são irregulares".
"Um médico passou 32 mil receitas num ano. Outros, com mais de 80 anos, ainda prescrevem. Alguns, afinal, já morreram. Há serviços públicos onde se prescreve seis vezes mais do que noutros idênticos. E há um número: 40% dos gastos do Estado com fármacos são irregulares".
O parágrafo acima abre a peça que hoje publicamos na página 4. É um susto. Está no domínio do surreal. Infelizmente, é o retrato de um certo Portugal.
As aterradoras conclusões constam de um relatório da Inspecção-geral das Actividades da Saúde, que confirma e corrobora o teor de um outro documento que a Inspecção-Geral das Finanças publicou recentemente.
Não vale a pena fustigar, com mais ou menos violência, o sector da Saúde. Sabemos todos, de ciência certa, que noutros sectores de actividade, pública e privada, passa-se o mesmo. Ou pior. A economia paralela (negócios, transacções e serviços que se fazem e prestam escapando aos impostos) vale no nosso país qualquer coisa como 33 mil milhões de euros. Contas por alto, aquilo que o Estado deixa de encaixar com as manigâncias corresponde a um quinto da riqueza que os portugueses produzem num ano. Uma brutalidade.
E a dimensão desta fraude tenderá a crescer nos próximos anos. Apertados pelas medidas que a troika nos impôs, a ver se ganhamos juízo, é bastante provável que aumente a tendência para (tentar) escapar às malhas do Fisco.
A fuga de quem usa colarinho branco estará facilitada pelos avisados caminhos apontados por eminentes especialistas em direito fiscal, capazes de procurar com a ajuda de uma lupa os buraquinhos que a lei abre e, posteriormente, é incapaz de punir.
Estarão pior os que não têm recursos para tamanhos luxos. Mas, mesmo aqui, sabemos como é amplo o laxismo de quem prega a cidadania apenas até ao ponto em que ela obriga a seguir, com rigor, as obrigações fiscais. O dr. Paulo Macedo, agora ministro da Saúde, assustou-nos a todos, quando pôs a máquina fiscal a cobrar o que devia. Não é líquido que esse medinho permaneça nas cabeças de pequenos e grandes empresários, de cidadãos cumpridores e incumpridores. Quando falta o pão...
Este é também o retrato de um país que sonhou alto e incutiu no cidadão comum a ideia de que se o vizinho tem um novo televisor ou um novo carro, não há razão para ele não almejar a coisa ainda melhor. Se para alcançar esse glorioso objectivo for necessário incumprir, fazer uma falcatruazinha ou uma falcatruazona, isso resolve-se com recurso à consciência. Ela dirá: "Se os outros fazem, por que razão não hei-de eu fazer?". Segue-se um círculo vicioso capaz de afundar um país. Estamos lá perto.

O prestígio da AR

Manuel António Pina


Foi um "pedido" público e chegou-me, através da SIC Notícias, pela voz de Guilherme Silva, vice-presidente da AR, com quem não estou há 40 anos. Mais do que um "pedido", foi antes um apelo, dirigido não só a mim mas a mais cronistas de imprensa, no sentido de não contribuírem para o desprestígio do Parlamento.
Mas quem, em primeiro lugar, tem de fazer pelo seu prestígio é a própria AR. De facto, o descrédito da AR junto dos portugueses resulta, não dos jornais, mas, desde logo, do descrédito dos próprios partidos (sobre o qual existem estudos e sondagens q.b., designadamente a "sondagem" que os números sempre crescentes da abstenção constituem). E, depois, de coisas como a qualidade dos deputados, muitos deles "yes men" sem espírito crítico nem vontade própria, ou regras partidárias que põem em causa a função de representação e autonomia parlamentares, como o uso e abuso da disciplina de voto, que reduz a maioria dos debates na AR a um mero e inútil formalismo.
O que se passou no início da nova legislatura com a rejeição, autónoma e livre (enfim, ou mais ou menos...) pelos deputados de uma candidatura contranatura à presidência da AR e a escolha para o cargo de alguém com o prestígio de Assunção Esteves, foi, por isso, algo capaz de contribuir para o crédito da AR mais do que mil apelos públicos.
A AR ganhou pontos junto dos portugueses. Esperemos que não os desbarate na primeira oportunidade.

Sim, Portugal não vai falhar

Helena Garrido



Sim, Portugal não vai falhar.
Não, não são nacionalismos baratos. O que se passou nestes últimos dois dias demonstra que temos equipa, temos governo e temos Presidente da República. 

"Eu sei que Portugal não vai falhar." Assim terminou o discurso do primeiro-ministro. Pouco antes, o Presidente da República tinha avisado: "Os custos de um falhanço seriam absolutamente catastróficos." 

Discursos, declarações e procedimentos começam a revelar que existe uma clara orientação política neste Governo liderado por Pedro Passos Coelho. Não há uns a defenderem um caminho e outro o contrário. E o líder não só diz, como já mostrou que não tem medo de errar. 

Comecemos pelo caso do presidente da Assembleia da República. Pedro Passos Coelho soube transformar a derrota de António Nobre numa estrondosa vitória, ao escolher Assunção Esteves como candidata e ao presidente do Parlamento com a rapidez que a situação exigia. E não se coibiu de escolher uma personalidade com carreira política, depois de ter preferido Fernando Nobre. 

O resultado final acabou por ser muito melhor. E o primeiro-ministro revelou ter a qualidade de se adaptar, encontrando a melhor solução para a circunstância que enfrenta em vez de a tentar, sem sucesso, mudar. Uma qualidade que é extremamente importante quando vivemos em tempestade económica e financeira que exige que cada um seja um pouco como o bambu: que se adapte ao vento sem partir. 

O que ouvimos do Presidente e do primeiro-ministro também nos permite perceber que temos agora uma única orientação. O objectivo é equilibrar financeiramente o País, protegendo quem está mais frágil ao mesmo tempo que se caminha para um melhor Estado de Direito, com mais justiça e menos corrupção e clientelismo. 

O ministro da Economia foi outra agradável surpresa. Uma das personalidades a quem Portugal deve o agradecimento de ter abandonado a sua confortável vida no Canadá para enfrentar uma das mais graves crises da história recente do País revelou ter prioridades muito claras e uma disponibilidade para o diálogo, um apelo também do Presidente, que vai ser capaz de concretizar. Tem competência, capacidade de trabalho e um perfil que lhe permite desempenhar o cargo. Os grupos de pressão que tem de enfrentar exigem que seja muito apoiado por Pedro Passos Coelho. O Presidente, pelo tempo que se demorou a cumprimentá-lo, revelou ser também um aliado. 

No fim, mas não menos importante, o ministro das Finanças. "Preciso de sorte", disse. A única sorte de que Vítor Gaspar precisa são bons ventos da União Europeia. Porque Portugal está a mostrar que tem governo. 


A vergonha dos governadores 

O governador civil de Lisboa demitiu-se logo que o Governo tomou posse, e porque o primeiro-ministro disse que não iria nomear novos governadores civis como sinal de que o seu Executivo seria líder no exemplo de "rigor e contenção". 

E depois de António Galamba seguiram-se os representantes do Governo em Braga, Fernando Moniz; e em Beja, Manuel Monge. E mais outros ao longo da noite. Revelador do sentido de Estado que têm, revelador do papel que consideram ter na sociedade. 

Henrique Monteiro dizia ontem na SIC Notícias que os governadores civis que se demitiram comportaram-se como "boys". De facto, não estão ao serviço do Estado, não sabem o que é serviço público. Representam, com o que fizeram, o que de pior existe na política e nos partidos. Sim, foram nomeados pelo anterior Governo; sim, sabem que os governos civis vão acabar. Se estivessem ao serviço de Portugal, estariam ali a garantir a transição. Não são capazes. Com eles é que Portugal falha. Não precisamos deles para Portugal vencer a crise em que está.

A ética do mérito

Bagão Félix



Três diferentes notícias dos últimos dias com algo em comum: o "copianço" de candidatos a futuros magistrados, a justificação do defunto Governo sobre a descida das notas de Matemática nas provas de aferição, e o novo ministro da Educação.
No caso do CEJ, tudo foi indigno. A atitude dos candidatos, a um nível que nem no básico é admissível, fragilizando o exercício futuro da sua função. A atitude de quem "resolveu" o assunto, concedendo, magnanimamente, a nota 10 a todos, infractores ou não, num misto de laxismo, insensibilidade e irresponsabilidade. 

Um 10 que é uma impensável forma de "ética aritmética", como se os valores comportamentais fossem divisíveis e pudessem ficar numa espécie de limbo moral, onde nada acontece e tudo é permitido. 

Imagino o cenário de, um dia, um professor em qualquer ciclo escolar, se ver confrontado com este "exemplo" de adultos licenciados numa instituição que forma magistrados. Ou, num Tribunal, um arguido que, numa generalização certamente injusta, vê no juiz um potencial intérprete da batota mais rasteira. 

Pelos até ontem responsáveis do M. da Educação ficámos a saber que a descida em Matemática aconteceu … porque as provas foram mais difíceis. Nada, pois, a ver com o ensino, os alunos e os professores. "Solução": facilitem-se até ao ridículo os exames e tudo volta à normalidade estatística. 

Por fim, a boa notícia: Nuno Crato que, a fazer fé nos seus textos, irá reabilitar a ideia do exame como meio de responsabilizar quem ensina, credibilizar a escola e estimular a diferença do mérito e do esforço. 

Três factos - negativa ou positivamente - profundamente simbólicos. Num país carente de bons exemplos, ávido de dignidade institucional, de respeito profissional e de uma sólida ética do mérito.