sábado, junho 18

Pai, afinal não sou ministro

André Macedo

Maçãs comparam-se com maçãs, laranjas com laranjas, mas todos os governos, na fase embrionária, são iguais, sejam eles de esquerda ou de direita. Nas últimas duas semanas correram pelo país nomes -- conhecidos ou desconhecidos -- de gente ministeriável. Alguns destes nomes foram chegando aos jornais, outros, os de cargos menos vistosos do Estado – Passos vai ter de nomear já, já 319 dirigentes da administração central --, não chegaram, mas as profundezas de todos os ministérios e direcções-gerais estão em pleno transe apache com os nomes de gente que vai mandar ou, como acontece sempre, que acha que vai mandar ou -- última e mais recorrente hipótese -- que pretende que o mundo pense que vai mandar. Escrito assim, até parece poesia.

Nos meses que antecederam as eleições legislativas muitos se colocaram na linha da frente para poder figurar nesta lista de candidatos a ministro. Ser ministeriável já representa um avanço nas roldanas que movimentam as relações de poder. “Pai, afinal não sou ministro” -- não é assim tão mau como soa: ter feito parte da lista de possíveis candidatos abre novas hipóteses num Estado partidarizado, filiado e dependente – e que, apesar das boas intenções de Passos Coelho e Paulo Portas, não se resolverá com duas rápidas bombadas de tira nódoas. É fácil dizer, difícil é fazer e mudar. 

Ontem, na apresentação da coligação governamental, apesar da calma dos dois líderes, muitos à sua volta já revelaram aquele estado febril e olhar vítreo que costuma afectar quem andou perdido no deserto durante demasiado tempo e agora, finalmente, vê aproximar o oásis do poder e, com ele, o leve bafio a antigo regime que ainda impregna algumas das salas do nosso decadente poder. O Palácio de S. Bento, que receberá em breve Passos Coelho, é o exemplo perfeito deste décor passé. Empregados de libré, sofás de veludo roçado, tapetes cansados, molduras gastas e douradas, peças da companhia das índias rachada.Não se trata de mudar os móveis, Passos tem mais com que se preocupar. Mas há rotinas que seria bom não repetir: têm pó a mais, já se viu que não levam a lado nenhum. Por exemplo, as conferências de imprensa – sem direito a perguntas – com nada de substantivo para dizer, como a de ontem, não fazem qualquer sentido, são um desrespeito pelo país, uma má herança de Sócrates. O país está farto de encenação. Por isso, ontem teria sido a ocasião de ouro para conhecer não o acordo político (que sabíamos inevitável), mas o acordo programático entre PSD e CDS. Será aí que começaremos a perceber que país vamos ter nos próximos tempos. Quanto aos ministros, nas próximas horas o mistério será resolvido.

Um governo que se estranha e que depois se entranha

António Costa -  Económico


O recém-conhecido governo de coligação estranha-se, mas, depois, entranha-se.Perante as expectativas geradas os últimos dias em torno de um conjunto de nomes e personalidades que poderiam integrar o novo executivo, a lista final e oficial do novo Governo é surpreendente e fica aquém do esperado. Não pelas competências técnicas, mas pela experiência política, e porque não apareciam todos os dias nas televisões.Todos os ministros são importantes, mas há uns mais importantes do que outros. As pastas das Finanças e da Economia são isso mesmo, as mais importantes, porque Portugal vive, hoje, uma situação de protectorado e ‘à conta’ de um empréstimo de 78 mil milhões de euros que traz, anexado, um plano de austeridade e crescimento duro, exigente, ambicioso, difícil e, mais do que tudo isso, obrigatório.Vítor Gaspar, o novo ministro de Estado e das Finanças, e Álvaro Santos Pereira, ‘super-ministro’ da Economia, não foram as primeiras escolhas. Vítor Bento, Eduardo Catroga e Carlos Costa estiveram em cima da mesa e foram até convidados a integrar o novo executivo. Às recusas, Pedro Passos Coelho deu uma resposta, na minha perspectiva, positiva: mudou o perfil dos ministros que procurava para estas duas pastas.Os dois ministros têm um défice de experiência política, que vai ter de ser compensado com a presença e a ‘protecção’ do primeiro-ministro e do ministro dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas. O novo Governo vai ter de executar, muito rapidamente, um plano de choque nas finanças e na economia portuguesa, isso trará, necessariamente, novas exigências de negociação politica, quer no interior do Governo, quer no parlamento, quer, finalmente, com a própria sociedade, nomeadamente em sede de concertação social. Haverá, seguramente, um agravamento da conflitualidade social sem paralelo na nossa história recente e isso torna evidente a exigência de habilidade e tacto político destes dois ministros.Será este, talvez, a maior vulnerabilidade de Vítor Gaspar e Álvaro Santos Pereira. Mas a experiência política está longe de ser uma condição essencial para garantir um bom consulado, pois basta ver o trabalho de Teixeira dos Santos e Vieira da Silva, duas personalidades a quem não faltava experiência política...Mas os dois novos ministros têm um excedente (e ainda bem) de competências técnicas, são dos melhores entre os melhores, como prometeu Passos Coelho. Só quem não conhece o seu percurso, sobretudo internacional, pode ter dúvidas sobre as capacidades e condições – dos dois – para cumprirem o desafio que têm pela frente.Fica claro, o País não mudou apenas de Governo, o próprio Governo mudou, a geração que vai para o novo executivo é também outro, tem outra visão do País. Pedro Passos Coelho é um novo primeiro-ministro e um primeiro-ministro novo. E alguns dos ministros, como Álvaro Santos Pereira, já nasceram no início da década de 70 e são por isso filhos da revolução dos cravos. É uma mudança de poder geracional muito relevante, e útil, quando todos querem que Portugal mude.Vítor Gaspar e Álvaro Santos Pereira são dois ‘estrangeirados’, isto é, passaram uma parte muito relevante da sua vida profissional fora do Portugal, têm uma visão do mundo e experiência e network internacional. Têm de fazer uma aprendizagem rápida e acelerada do que é hoje Portugal, na máquina do Estado, na função pública, nas empresas. Mas quando o que aí vem exige independência face aos interesses instalados, quando o programa do novo Governo – e o que exige o acordo com a ‘troika’ – vai provocar tensões das corporações, a independência dos dois ministros é um activo valioso.Quer Vítor Gaspar, quer Álvaro Santos Pereira têm reflexão produzida e publicada sobre Portugal, as suas fragilidades, os seus defeitos e virtudes, sobre o futuro. Qualquer português pode rapidamente perceber o que pensam os dois, portanto, são desconhecidos na televisão, mas a sua reflexão não.Vítor Gaspar, desde Fevereiro de 2010 consultor do governador do Banco de Portugal, anda nos corredores das instituições internacionais como o BCE e a Comissão Europeia como em casa, é um defensor acérrimo da sustentabilidade das contas públicas, mas tem preocupações com os seus efeitos na economia. Álvaro Santos Pereira, professor em Vancouver, no Canadá, escreveu há três meses o livro ‘Portugal na hora da verdade’, edição Gradiva. E está lá tudo, o que vai fazer, como ministro da Economia e do Emprego.Serem a primeira, a segunda ou a terceira escolha é irrelevante. Relevante é o que são e o que vão fazer. São competentes, e, mesmo para os mais cépticos, merecem o benefício da dúvida.Pedro Passos Coelho inovou na escolha das pessoas, mas também na orgânica. Vítor Gaspar é o número dois na hierarquia do Governo, e Álvaro Santos Pereira tem tudo o que é economia, alem dos fundos comunitários. Finalmente, o primeiro-ministro indigitado criou a função do secretário de Estado Adjunto para acompanhar a execução do acordo assinado com a ‘troika’, que vai ser desempenhada por Carlos Moedas, também da nova geração, também ‘estrangeirado’, também competente.Agora, não têm tempo para se sentar. Ao trabalho.

O direito de ver

João Adelino Faria

A cena tem tanto de horrível como de humano. Um homem bebe devagar o líquido, bebe com a tranquilidade de um gesto que, no entanto, nesse dia particular é tudo menos banal. Depois de beber adormece ao lado da mulher, que lhe faz festas na mão. Peter Smedley – é o nome deste homem – engoliu veneno e morreu por vontade própria, pondo fim ao sofrimento de uma doença que o incapacitava sem remédio. O último instante de Peter foi filmado e transformado num documentário por Terry Pratchett, também ele doente com Alzheimer, e que prepara (exorciza?) assim a própria morte antes que a doença o domine também a ele. As imagens passaram esta semana na BBC e estão a causar indignação e revolta, além de uma polémica que já alastrou até à administração da televisão pública britânica. Há quem entenda que este assunto – a eutanásia – não pode ser exibido desta maneira num canal de serviço público.Estranho comportamento.Todos os dias, no mesmo canal, são mostradas reportagens de violentos bombardeamentos na Líbia, violações dos direitos humanos ou crianças a morrer à fome. No entanto, em nenhum destes casos há ou jamais houve qualquer contestação. Pelo contrário, estas reportagens são elogiadas como sendo exemplos de serviço público a seguir. Devo dizer que não tenho opinião formada sobre a eutanásia. Não é sobre isso que estou a escrever. Não consigo decidir e nem quero imaginar como será ter de fazer uma escolha tão impensável como a que Peter Smedley fez e tantos outros antes dele também fizeram. O que defendo, sim, é o direito a informar de forma correcta e eticamente irrepreensível.Foi por acreditar neste tipo de liberdade de imprensa que quis ser jornalista. Porque creio que o dever é dar a informação necessária para que outros – os espectadores – possam decidir e avaliar melhor. Neste e noutros assuntos. Esconder não é e nunca será o caminho, é apenas o reflexo (de medo) dos que fogem da realidade. Os que agora criticam a BBC dizem que ninguém é Deus para decidir quando ou como devemos pôr fim à nossa própria vida e por isso não devem ser mostradas estas imagens. Com a mesma argumentação pergunto: porque será que não aplicam esta regra a eles próprios? Que autoridade têm estas pessoas que protestam agora para dizer precisamente o que podemos ou não podemos, todos nós, ver ou mostrar na televisão? E já agora para quem não quiser assistir…há sempre um botão no comando que desliga o aparelho. Chama-se a isto liberdade de escolha.

Estado de choque

Pedro Santos Guerreiro

A primeira impressão faz um pouco de impressão. A impressão de que não é um Governo forte. Não forte o suficiente para as rabanadas de vento que o aguardam. Mas Portugal não tem uma segunda oportunidade: este Governo vai ter de ser melhor do que parece.

Portugal está num estado crítico tal que precisa de união e de coesão. E é por isso que o Governo tem de ter o benefício da dúvida, de ter o tempo e o espaço suficiente para mostrar o que vale. Vai tê-lo. Mas isso não esconde essa tal primeira impressão. A de que faltam figuras de Estado. A de falta de experiência. A de falta de um Catroga. Mas também as virtudes: a juventude. A capacidade técnica de muitos dos seus ministros. A da vontade de mudança que eles representam.

Dois exemplos: Assunção Cristas e Álvaro Santos Pereira. Os leitores do Negócios conhecem-nos bem, deram ambos entrevistas de fundo este ano neste jornal e foram enquadrados como esperanças políticas para o nosso País. Ei-las confirmadas. Mas a nova ministra da Agricultura nunca plantou uma batata na terra. E o novo ministro da Economia nunca geriu uma empresa na vida. Quer dizer que são erros de “casting”? Não. Quer dizer que arrancam sem terem a “autoridade natural” do seu lado. E só se tiverem consciência disso poderão impor-se, serem respeitados e fazerem parte da solução que Portugal encomendou a este Governo. 

O contra-exemplo: Paulo Macedo. É economista, gestor, administrador de banco, foi director-geral dos Impostos. O novo ministro da Saúde nunca deu uma injecção a um doente e roga-se que nunca o faça, mas não haverá neste momento médico nem director hospitalar em Portugal que não esteja com medo da sua tesoura e bisturi. Porque Paulo Macedo tem do seu lado a autoridade da experiência passada e do seu sucesso reconhecido e aplaudido nas Finanças. Aqui não há qualquer equívoco: vem para cortar nas despesas da Saúde, onde se suspeita de haver uma espécie de “Face Oculta” nas compras de material, e onde há lóbis poderosos numa actividade que também é um negócio e que tem sido pior negócio do que muitos pensavam (basta ver o prejuízo da Caixa Geral de Depósitos nos seus hospitais). Macedo é uma escolha polémica e vai ser contestada mas é uma boa escolha precisamente por isso: o Serviço Nacional de Saúde português é um sucesso, mas é demasiado dispendioso. Paulo Macedo não vai tratar da Saúde, vai racionalizar o Serviço – vai mantê-lo Nacional (isto é, público)?

Outro exemplo: Nuno Crato. Como Paulo Macedo, é uma excelente escolha, mas tem de provar que sabe sair da academia para a política. É um “liberal” na educação, no sentido em que “liberal” significa premiar o mérito e acabar com o “eduquês”, que ele assumidamente abomina (e abomina bem). Aqui também não há dúvidas. Com Nuno Crato, quem chumbar chumba, quem estudar passa, os exames serão difíceis e as estatísticas serão portanto piores – mas os resultados serão talvez melhores. Haverá maior separação entre os bons e os maus alunos, espera-se que também entre os bons e os maus professores. Porque o nivelamento educacional valoriza a mediocridade, desincentiva o brilhantismo e nivela por baixo. Crato só não provou uma coisa: que tem cabedal que chegue para a pressão política brutal que, se fizer o que se espera, terá. Homem pacato, cordato, cordial, vai ter de ser um leão para aguentar.

Bom, demos agora um passo atrás. Politicamente, o Governo está assente num tripé: além de Passos Coelho, Paulo Portas e Miguel Relvas. Eles serão os chefes. Os chefes de uma equipa irrequieta e que promete reuniões de Conselho de Ministros muito agitadas. Várias das promessas políticas dos últimos anos estão lá (Mota Soares, Assunção Cristas). Vários críticos de políticas anteriores estão lá (Álvaro Santos Pereira, Nuno Crato). 

Paulo Portas ocupa uma pasta essencial neste momento de intervenção e negociação externa permanente. Ele será uma espécie de primeiro-ministro fora de Portugal, como Luís Amadodiscretamente o foi durante os últimos muitos meses. Ele estará mais tempo a defender os interesses de Portugal em Bruxelas (e em Berlim e em Frankfurt) do que no Palácio das Necessidades. 

Miguel Relvas será o biombo político de Passos Coelho dentro do País. Será o seu braço direito de ataque e o seu braço esquerdo de defesa, para um período que se adivinha de consensos difíceis e poucos duradouros. Porque como houve PEC do 1 até ao 4, também haverá uma espécie de vários MoU (memorandos de entendimento com a troika), que se adaptem às mudanças internas e externas do imprevisível situação económica e política. E isso significa acordos políticos permanentes - como na Grécia. Com provas dadas, Aguiar-Branco e Miguel Macedo farão parte dessa muralha política. 

Pedro Mota Soares e Assunção Cristas foram dos melhores deputados da melhor bancada parlamentar da última semi-legislatura, a do CDS-PP. Pedro Mota Soares deixará agora a sua “scooter” para assumir uma área difícil, a da Segurança Social, numa fase de crescimento do desemprego e de corte de prestações sociais. Vai ter um orçamento muito difícil de gerir e tem do outro lado parceiros sociais que entrarão com vontade de lhe comer as papas na cabeça. Vai ter de mostrar que além de capacidade de trabalho, tem estofo político para não ser o peixinho no meio dos tubarões sindicais, em mares agitados de contestação social forte, esfomeada - e de esfomeados.

Paula Teixeira da Cruz é o oposto de Pedro Mota Soares. Com ela ninguém faz farinha mas isso não evita as mós do outro lado. A Justiça é o Rubicão deste Estado, é lá que estão alojados os maiores lóbis (incluindo o dos políticos) e Paula Teixeira da Cruz não tem do seu lado uma ferramenta essencial: a troika. O memorando da troika é fraco no que toca à Justiça, o que torna tudo demasiado vago. E Teixeira da Cruz será acusada de representar uma das cinco profissões jurídicas (a dos advogados, a que pertence) e de preferir outra (a dos magistrados do Ministério Público e do seu sindicato, dada a sua proximidade política a António Cluny). Teixeira da Cruz sabe o que é preciso. Terá o que é preciso? 

Regressemos à área económica. Álvaro Santos Pereira é um macroeconomista, não conhece os gestores portugueses nem as nossas empresas. Por isso, hoje, os gestores das grandes empresas estão horripilados com esta escolha. Essa pode ser a vantagem deste viseense: a de partir sem compromissos nem conflitos. Mas é ele que terá pela frente o desafio mais radicalmente difícil: pôr a economia a crescer. Enfrentar os lóbis mais poderosos, que não são as das arruadas, os manifestantes ou os grevistas. São as pressões dos gabinetes. Das grandes empresas. Dos grandes sectores. Incluindo o espinhoso campo das Obras Públicas. E Álvaro Santos Pereira é mais liberal nos livros que qualquer outro ministro da Economia o foi nos últimos anos. Sê-lo-á também fora dos livros?

Deixamos para o fim o mais importante de todos os ministros de Passos Coelho: o das Finanças. Vítor Gaspar. Quem? Vítor Gaspar é um desconhecido dos portugueses e tem contra si a falta de força política. Mais: é um técnico brilhante mas nunca deve ter dado uma ordem nem mandado numa equipa. E isso tem de ser tão natural como a sede deste Governo em proceder a um “choque térmico” nas finanças públicas e a uma recuperação de imagem nos mercados financeiros. O nome que devia ser o mais forte e incontestado é, paradoxalmente, o mais desconhecido de todos. Gaspar sabe que foi uma segunda escolha (Vítor Bento recusou as Finanças; Catroga também recusou depois de ter sido convidado para a Economia e re-convidado para as Finanças). Que seja de primeira água. Que junte ao “saber fazer” a força do não deixar desfazer; de impor; de mandar. Porque Gaspar é desconhecido em Portugal mas reputado na Comissão Europeia e no Banco Central Europeu, o que neste momento é essencial. É um homem muito inteligente - precisará também de inteligência emocional para se impor na política. 

O Governo arranca com o benefício de dúvida, que terá de converter em esperança para o País. Tem um grupo de gente boa e outro grupo de gente promissora, que tem de saber que ser timorato não é o mesmo que ser timoneiro. E tem muita gente brilhante no campo académico, onde impera o reino dos argumentos, mas vai ter de se impor no mundo político, onde vale tudo. 

O País está em estado de choque. Precisa de um Governo contra o choque. E é por isso que o homem mais importante de toda esta equipa é Pedro Passos Coelho. Não teve toda a equipa que quis. Mas teve a equipa que o quis a ele. Que seja a equipa que todos precisamos. 

Como se diz aos aviadores que partem para a batalha: Godspeed, senhores ministros.

O novo governo e os cínicos entendidos de sempre

Manuel Tavares


A concentração de pastas e políticas aconteceu como era previsível e todos podemos intuir que o processo teria ido ainda mais longe, não fosse para tal necessário mexer em leis orgânicas. Mas pelo que já pudemos ouvir ontem de doutos tele-especialistas em ciências políticas, se mais houvera mais dúvidas filosóficas e metódicas teriam povoado a noite dos comentários sobre quem poderia ser quem em vez do ministro real.
A dúvida que mais se ouviu foi a da falta de experiência política de ministros como o das Finanças, Vítor Gaspar, que não consegue apaziguar as almas dos comentadores de sempre, apesar do seu currículo técnico e respaldo institucional tão forte como podem ser o de ter trabalhado com o Banco Central Europeu ou com o Banco de Portugal.
Que sim, mas... Falta-lhes experiência, dizem esses especialistas da ciência política que capricham na amnésia, uma vez que todos nos recordamos de lhes termos ouvido comentar: Que sim, mas... São sempre os mesmos. Referindo-se a ministros com vastas carreiras partidárias, que, por isso mesmo, não conseguiam levar por diante políticas para o povo. Ou seja: políticas libertas dos interesses partidários.
Portanto: se já percebemos que esses analistas são pau para toda a colher, resta--nos a esperança de que os novos ministros, catalogados de inexperientes, não o sejam.
Por mim, que não os conheço, aos ministros, é claro, espero que tenham sucesso, porque, entre a crise europeia e os nossos próprios problemas estruturais, vai ser precisa muita coragem.
E, como aqui escrevi há dias, o mais importante era mesmo juntar temas e políticas. E nesse aspecto o que Passos Coelho apresentou merece um bom benefício de dúvida: a pasta da Economia, que junta as Obras Públicas e o Emprego, e a da Agricultura com o Ordenamento do Território, o Mar e o Ambiente são os melhores exemplos.
A ideia de que pode haver gente nova capaz de dar um novo crédito à coisa pública é demasiado entusiasmante para ser morta à nascença pela velha e relha ideia de que a antiguidade é um posto. Por isso, não entendo que se possa negar um tempo de benefício a um equipa governativa que inclui quatro ministros sem filiação em qualquer dos partidos coligados e ostentam credenciais técnicas.
Afinal, esses analistas e comentadores pouco têm para dar aos seus concidadãos, além de um cinismo militante com o qual conseguem fazer-se passar por entendidos na matéria. Ou mesmo por entendidos em todas as matérias possíveis e imaginárias...
Até ao dia em que percebemos que eles não são nada entendidos naquilo em que nós próprios estamos um pouco informados.

Vencer a hipocrisia

Carvalho da Silva


Nesta semana participei, em Genève, como delegado dos trabalhadores portugueses por decorrência da função de secretário-geral da CGTP-IN, na 100.ª Sessão da Conferência Internacional do Trabalho (OIT). O director-geral, Juan Somavia, apresentou um importante relatório intitulado "Uma nova era de justiça social". Aí é feita uma análise crítica a muitos dos descalabros das políticas que vêm sendo seguidas pelo Mundo e, acima de tudo, encontra-se expresso um manancial de reflexão e propostas concretas, com que se podem construir caminhos alternativos.
Ouvi dezenas de intervenções de delegados (dos governos, dos patrões, dos trabalhadores), assisti a debates em que participaram ex-governantes, responsáveis de instituições em geral ligadas aos problemas do "desenvolvimento", escutei destacados dirigentes políticos convidados para esta conferência, designadamente, o presidente da Indonésia, Susilo Yudhoyono, a chanceler alemã, Sr.ª Merkel, e o primeiro-ministro da Rússia, Sr. Putin - o primeiro primeiro-ministro russo presente numa conferência da OIT.
Nos seus discursos, eles reconhecem que há demasiadas injustiças, pobreza e desemprego e que é preciso diálogo social e novos caminhos para o desenvolvimento das sociedades. O Sr. Putin, que procurou identificar-se na análise crítica do relatório, afirmou que "falta um modelo económico eficaz com o ser humano no centro", assumindo que "o trabalho não é uma mercadoria". Defendeu "trabalho digno", "salários justos", "apoio aos mais pobres", "favorecimento das produções nacionais para responder às necessidades das pessoas", no enquadramento do objectivo de "a Rússia ser, em 10 anos, uma das cinco maiores economias do Mundo".
São importantes estas afirmações, mas da sua expressão à efectivação de políticas que as concretizem vai, na Rússia como na maior parte dos países, uma enorme diferença, que exige muita luta dos trabalhadores e dos povos. A Sr.ª Merkel e ministros de inúmeros governos apresentaram, hipocritamente, as políticas que estão seguindo como correctas e justas. Sabemos que, na maior parte dos casos, isso é pura mentira.
Foi triste ouvir uma ministra grega, acossada por uma pergunta incómoda, quase pedir desculpa pelos "erros" da sua governação. Nos corredores constatava que o próprio governo grego reconhece, em privado, que pela Banca se evaporaram do país mais de 40 mil milhões de euros desde o início da fase dura da "crise".
Juan Somavia disse, com grande a-propósito, que as pessoas estão "descrentes e decepcionadas" porque percebem que as grandes instituições financeiras são consideradas pelo poder político como "demasiado fortes para quebrar", enquanto a maior parte das pessoas são consideradas, por esse mesmo poder, "demasiado pequenas para terem importância". Quando conseguiremos, na Grécia ou em Portugal, ter governos que invertam estas importâncias?
Porquê a OIT não acompanhou, em pé de igualdade com o FMI, a elaboração do chamado programa de apoio a Portugal? A resposta está na denúncia de Somavia!
Em Portugal, neste tempo de cada vez maiores sacrifícios aos trabalhadores e ao povo, quão importante seria se o novo Governo, em vez de adoptar as receitas da troika, analisasse o conteúdo daquele relatório e seguisse as suas recomendações e propostas!
No relatório já citado, afirma-se: "está emergindo numa nova era mundial" e "a experiência histórica mostra-nos que as novas eras começam com o colapso dos dogmas e das estruturas de poder dominantes", mas "as alternativas não nos vêm oferecidas como um produto acabado. Há que construí-las". Essa construção tem de ser feita com a participação dos trabalhadores e dos povos, criando e valorizando o emprego.
Como afirmei na conferência, é necessário dizer não a políticas de dominação estrangeira, à imposição dos interesses do poder financeiro e económico, à humilhação dos trabalhadores e do povo. É preciso produzir bens e serviços úteis ao desenvolvimento da sociedade e compromissos de um futuro melhor para os jovens em vez de os maltratar. Pelo futuro, é necessário vencer a hipocrisia.

sexta-feira, junho 17

Serviço Nacional de Saúde?

Camilo Lourenço


Rosalina Quitério vivia há anos com pedras na vesícula. Há pouco tempo pediu uma consulta da especialidade, via Serviço Nacional de Saúde.

Resposta: teria vaga, mas só em Agosto. O "desabafo" chegou-me há algumas semanas e ontem, quando investigava o assunto, dei de caras com um estudo do Observatório da Saúde. Que parece confirmar o caso de Rosalina (entretanto operada, via seguro de saúde, num hospital privado): o tempo médio de espera por uma consulta de especialidade é de 362 dias. O mesmo estudo diz que no Hospital de Santarém uma consulta de ginecologia é brindada com 1.321 dias de espera e que no Hospital de Portimão quem precisar de consulta de cardiologia aguarda 1.281 dias. 

As conclusões do estudo estão correctas? A ARS do Norte e o responsável do Hospital de São João contestam. Quem tem razão? É difícil dizer, porque, como refere quem conhece o sector, não há estatísticas fiáveis sobre o SNS. Mas por mais que os profissionais do sector refilem, é difícil desvalorizar o estudo (a história contada acima é real…). Razão para deixar três perguntas: 1 - Como se reforma o SNS se não há estatísticas de confiança? 2 - Porque é que os vários ministros da Saúde não deram prioridade a esta questão? 3 - E os dirigentes do SNS não têm soluções para o problema (se calhar os lóbis têm força…)? Como é que alguns políticos, conhecendo a situação, passaram a campanha eleitoral a contar maravilhas do SNS? Independentemente da polémica e do "blame game" (em Portugal a culpa morre solteira), uma coisa é certa: um Estado que gasta cerca de 10% do PIB com a Saúde (estamos à frente de países desenvolvidos nesta matéria…) não pode ter coisas destas. 

Porque o federalismo é inevitável

Camilo Lourenço


A Europa sempre andou aos solavancos.
Tirando os primeiros anos, quando Jean Monet, Konrad Adenauer e outros visionários perceberam que a melhor forma de evitar novas guerras era gerir em conjunto questões que haviam espoletado conflitos anteriores, a CEE correu sempre atrás do prejuízo. Mas com mais ou menos atraso, encontrou solução para os problemas. 

A situação actual não é excepção. Os ministros das Finanças do Euro (os que pensam…) e um ou outro chefe de Estado já perceberam que o Euro está num beco sem saída. E que as tentativas feitas para o tirar de lá não funcionam. Porque uma união monetária (gerida por uma instituição central) não pode sobreviver, no longo prazo, sem uma união orçamental. Com tudo o que isso implica: aprovação centralizada de orçamentos, transferências orçamentais, emissão conjunta de dívida pública (ou parte dela) e fiscalização da execução. Daquelas ideias, as mais polémicas são a emissão de dívida e a fiscalização. Como convencer um eleitor germânico, holandês ou finlandês a pagar mais por dívida europeia (contaminada pelos "infecto-contagiosos") em vez de dívida nacional (mais barata)? Em teoria é simples: explicando-lhes que ou a União dá um salto em direcção ao federalismo (e que esse federalismo até protege melhor os seus interesses) ou… o Euro desaparece; e que se o Euro desaparecer, todos perdem. Só que isso implica que os chefes de Estado e de Governo ponham todo o seu peso por detrás desta ideia. Já (o tempo escasseia). O problema é que há gente que acha que o Euro pode sobreviver se os infecto-contagiosos forem corridos. Estão enganados: vão gerar um efeito dominó que só parará no seu quintal.

Outras eleições

Fernando Braga de Matos


(Onde o autor, em muito melhor estado cutâneo desde que o povo despachou Sócrates, pelo menos por uns 5 anos, olha diletantemente para outras eleições, as do Peru, onde não vingou o princípio "é a economia, estúpido" e se fica sem saber se, com Humala, vamos ter um Lula ou um Chavez. Very interesting).
Eu sei que o Peru, a terra dos Incas, não interessa nem às palhinhas do Menino Jesus, o que conta é o ministro das Finanças de cá, mas a América Latina é sempre quente no jogo esquerda-direita (muitas vezes desviado para a grande querela oligarquia- revolução). Além de que - assegura a minha mulher - vou ser o único comentador que não fala de eleições depois das eleições, o que, juntamente com o meu assumido liberalismo um tanto neo, como o do Matrix, me dá um fino toque de "avis rara". A evolução económica e política peruana constitui, por outro lado, mais uma evidência da superioridade das reformas liberais, as que puseram todo o mundo emergente convencido em enorme desenvolvimento, arrastando também normalmente mudanças orientadas para a democracia, dada a própria natureza de apego às liberdades individuais que lhes está na génese e serve de quadro ideal. Temos, pois, aqui, uma outra fundamental razão para o nosso interesse, nós sofridos utentes do socialismo da bancarrota, e o nosso nem era o paleolítico, como o que pode regressar ao Peru… 

Pouca gente se lembrará, mas já houve tempo em que o sistema político de lá tinha influência no nosso, e isso foi com a junta militar de coronéis, chefiada pelo general Alvarado, que, em 1968, liderou um golpe militar esquerdista e implantou um socialismo um tanto atípico e não alinhado, mas com a receita habitual de nacionalizações e economia dirigida pelo Estado. Teve eco claro em Portugal, durante o PREC, devido ao Movimento dos Capitães e o Conselho da Revolução, por fornecer a este o que então se chamava a terceira via, rumo ao socialismo, e uma certa força ideológica autónoma. O regime implantado teve, aliás, alguma popularidade no esquerdismo mundial, por conter um elemento diferenciador na acção das forças armadas, normalmente ligadas aos poderes tradicionais e oligárquicos. Em marxismo ortodoxo, não cai muito bem ver o exército a liderar um movimento revolucionário, não originado ou conduzido por classes trabalhadoras e intelectuais, actuando em nome destas, e por isso pode-se imaginar a excitação do "Libération". Como é normal, a economia entrou em colapso, mas, mesmo após o derrube em 1975, as rupturas sociais e económicas permaneceram, até devido à entrada em acção do Sendero Luminoso, movimento guerrilheiro e terrorista, simpatizante do comunismo chinês. Pobres peruanos, só lhes faltava mesmo o maoísmo e a guerra civil! 

Mas, Deus é grande, e escreveu direito por linhas tortas, trazendo à Presidência o bom velho Fujimori corrupto e adepto da guerra suja então vigente, mas reformador e liberal. Também agora dentro da maior normalidade, a economia revigorou-se e entrou em forte crescimento. Fujimori acabou na prisão, numa sombra de 25 anos, mas as boas reformas lá ficaram a germinar e evoluir, ao ponto de o Peru ter encontrado o seu milagre económico com crescimento anual superior a 6% em média nos últimos 15 anos e de 8,7% em 2010 (vá de dizer que a riqueza mineral não prejudicou minimamente, mas noutros locais não serve de grande coisa). 

E agora entra a perplexidade. Sendo isto assim, porque ganhou Humala, conotado com a extrema-esquerda e com o "chavismo" (esse brilhante produto que já pôs a Venezuela, rica exportadora de petróleo, com a maior inflação mundial e um dos maiores défices do planeta)? Apontam-se várias razões, a começar no facto de a oponente ser filha de Fujimori que, pelos vistos, não deixou saudades por aí além, mas a continuar no apoio concedido por parte da Direita, desde o Nobel Vargas Llosa ao ex-presidente conservador Alejandro Toledo, outro candidato vencido na primeira volta. 

E agora, qual é o verdadeiro Humala, o que jura bom comportamento económico e insta o capital a voltar a investir numa bolsa em "sell-off", declarando que não se trata de socialismo mas de guerra à pobreza em espelho do Brasil , ou o compadre do preclaro Chavez? Diz um analista, antigo ministro da Venezuela: "Se começar a trazer a Constituição à baila, o melhor é fugir para as colinas". Ele sabe do que fala. 

As boas contas fazem os bons amigos

Gonçalo Pascoal


Nesta semana Portugal procedeu ao reembolso, e pagamento de juros, de uma fracção significativa do total dos vencimentos previstos de Obrigações do Tesouro para este ano.
Para tal, terá sido instrumental o recebimento das primeiras tranches dos empréstimos negociados com a UE/FMI, totalizando, até ao momento, cerca de 12,6 mil milhões de euros (aprox. 7,5% do PIB, excluindo 3,6 mil milhões de euros a receber dentro de uma semana). Diversos comentadores têm feito referência às condições pouco favoráveis destes empréstimos, inadequadas para um país em estado de necessidade e incoerentes com o propósito de estabilização financeira a prazo, designadamente quando confrontadas com as condições dos empréstimos do FMI. Pretende-se, com esta breve nota, contribuir para uma melhor avaliação do tema. 

Em primeiro lugar cabe dizer que o programa prevê desembolsos para Portugal de três proveniências distintas, cabendo a cada uma igual montante de 26 mil milhões de euros a entregar faseadamente até 2014. São elas: da Parte da UE, o Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira (MEEF) e a Facilidade Europeia de Estabilização Financeira (FEEF); da parte do FMI, a Facilidade de Fundos Alargada (FFA). Significa, por exemplo, que fará mais sentido comparar os termos e condições negociados por Portugal com os termos negociados pela Irlanda do que com a Grécia, uma vez que os financiamentos deste país ocorreram ao abrigo de programas de financiamento distintos. Em segundo lugar, diferentes proveniências podem significar diferentes condições. O que de facto acontece. Em Abril/Maio, as taxas de juro referidas para os diferentes empréstimos foram de 3,3% a 4,3%%, para no fundos do FMI, e de 5,5% a 6,0%, para os fundos da UE, dependendo de condições de mercado. Até ao momento, a UE disponibilizou a Portugal 6,5 mil milhões de euros de duas emissões de dívida em mercado realizadas ao abrigo do MEEF, com uma taxa de juro fixa para Portugal de 5,0% a 5 anos e de 5,7% a 10 anos. O FMI procedeu ao desembolso de 6,1 mil milhões com uma taxa de juro estimada de cerca de 3,4%. Uma diferença peculiar tendo em conta o grau de compromisso político diferente das entidades envolvidas. Porém, a principal razão para esta diferença resulta da utilização de moedas, indexantes e prazos distintos para os empréstimos. Uma comparação correcta exige uma harmonização destes valores. Nos empréstimos europeus, o custo final para o estado membro resulta das condições obtidas pela UE nas emissões de dívida em mercado acrescidas de um spread. No caso do MEEF, o spread negociado para Portugal foi de 2,15 p.p., no caso do FEEF foi de 2,08 p.p. mas, acrescem a este último, custos de estruturação da operação que decorrem dos requisitos para a obtenção de uma notação de rating de muito boa qualidade ("AAA"). A complexidade de cálculo destes custos de estruturação extravasa os objectivos desta nota. Simplifiquemos tomando como um valor em redor de 0,5 a 0.7 p.p. No seu conjunto, estes valores implicariam um spread médio na ordem de 2,3 a 2,5p.p. para os fundos provenientes da UE. No caso dos empréstimos do FMI, o serviço da dívida está indexado a uma taxa de juro de curto prazo, variável, e denominada em Direitos de Saque Especiais (DSE), que é a moeda do FMI. Os DSE resultam de um cabaz composto por quatro moedas com pesos diferentes: euros, dólares norte americanos, ienes e libras esterlinas. Actualmente, a taxa de juro dos DSE é de 0,56%, é actualizada numa base semanal e resulta da média ponderada das taxas de juro a 3 meses de Bilhetes do Tesouro, ou similar, destas moedas. Donde, tal como no caso dos empréstimos indexados à taxa de juro Euribor, o serviço da dívida é variável ao longo do prazo do empréstimo. Tendo em conta que as taxas de juro de curto prazo se situam em mínimos históricos, o custo destes fundos poderá aumentar nos próximos anos, conforme indiciam as cotações nos mercados a prazo, mas de resultado incerto. Acresce a esta taxa base um spread, por escalões, em função dos montantes sacados relativamente à quota do país no orçamento do FMI: 1 p.p. para utilizações até 300% da quota e 3 p.p. para utilizações superiores. Com os desembolsos efectuados, Portugal já se encontra sujeito ao spread mais elevado. São ainda cobrados 0,5 p.p. de comissão de utilização. Tudo somado, e à medida que forem utilizados recursos adicionais do FMI, o spread médio aproximar-se-á de 3,2 p.p.. (3,0 se ajustarmos à diferença entre bilhetes de tesouro europeus e taxas Euribor de prazo idêntico). Este exercício, muito simplificado, de harmonização de dados permite verificar que: (i) face à Irlanda, país que recorreu ao mesmo tipo de ajuda externa, os spreads aplicados a Portugal são ligeiramente inferiores no caso dos fundos europeus (2,15 p.p. e 2,08 p.p. contra, 2,93 e 2,47 para a Irlanda,) e idênticos no caso dos fundos provenientes do FMI; (ii) que harmonizando em termos de prazos e de moeda, as conclusões sobre as condições relativas dos empréstimos do FMI face aos empréstimos europeus poderão diferir das percepções iniciais; (iii) que, independentemente da proveniência, estas taxas de juro são significativamente inferiores às actualmente praticadas no mercado secundário para a dívida pública de médio prazo portuguesa e portanto têm um elevado valor intrínseco. Todas estas considerações de relatividade não resolvem, porém, o problema do valor absoluto do juro cobrado a Portugal, que, situando-se a médio prazo entre os 5-6%, torna-se pesado para a sustentabilidade da dívida. Conforme mencionado pelo FMI, quando cita o critério da sustentabilidade da dívida para justificar a concessão deste apoio excepcional a Portugal,"(...) é difícil sustentar de forma categórica que exista uma elevada probabilidade de sustentabilidade da dívida a prazo. O apoio do Fundo justifica-se, a este nível, pelos elevados riscos sistémicos internacionais associados (...)". Se, no caso do FMI, o potencial de negociação das condições é escasso, porque se aplicam condições-padrão, no caso da UE poderá existir espaço para uma revisão, tendo em conta uma natureza mais política de todo o processo. O argumento do risco sistémico é apelativo no actual contexto de tensões europeias de par com a percepção de que um prémio de risco inferior potenciaria significativamente a probabilidade de sucesso. Fora estes argumentos, é provável que tenhamos de aguardar por uma decisão para a Irlanda, com ligeiro avanço no programa de ajustamento e com condições mais adversas, ou por uma mudança de vontades resultado, eventual, de progressos a curto prazo ou da adopção da nossa parte de regras/medidas/instituições que beneficiem de credibilidade acrescida no exterior. 

16 hectares e uma mula

João Quadros

Portugal entrou numa nova fase. Em pouco tempo, passámos do discurso da tanga para o apelo a gente de tanga (por muita tanga de gente).
Os apelos são vários e para todos os gostos. Temos o apelo: ao patriotismo, à frugalidade, à capacidade de trabalho, ao sacrifício, ao que é nosso e finalmente; o meu preferido; o apelo da terra. Fico com as bochechas rosadas só de ouvir o apelo da terra, falar do campo faz-me bem à saúde. 

No "último" discurso, o Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, exortou os portugueses a regressarem ao campo e à agricultura. A exortação faz sentido porque, neste momento, há muitos portugueses que sentem o apelo da selva; e isso não é bom. 

Vejo com bons olhos (tenho uma varanda larga) o regresso à agricultura de subsistência. Porque como, resumindo os apelos, temos de ser frugais e comer pouco mas português, a melhor opção é cultivar a minha própria comida e a do meu banco. Mas, infelizmente, temo que seja apenas mais uma etapa. Receio que, em breve, o nosso Presidente apele ao retorno à actividade de caçador-colector. E que, para além do mini-latifúndio alentejano, nos seja sugerido o retorno ao Vale do Côa. Tudo é possível. Basta pensar que o regresso à permuta (e creio que o nosso Presidente não tem nada contra) podia ser uma boa alternativa no caso de abandonarmos o Euro (ou o Euro nos abandonar). 

A recente paixão de Aníbal Cavaco Silva pela agricultura vem, mais uma vez, provar a importância das redes sociais. Cavaco apaixonou-se pela agricultura no Facebook. Se vamos assistir a uma revolução agrícola em Portugal é tudo graças ao Farmville e ao vício que se apoderou do PR. Não pode haver outra explicação. Ver Cavaco Silva, o homem de betão (o rei do asfalto), apelar aos jovens para que optem pela carreira de agricultor é como ver a Heloísa Apolónia defender as centrais atómicas, em voz baixa. Acho que tudo isto faz muito pouco sentido. 

Percebo que queiram enviar os miúdos para o campo; quantas vezes tenho vontade de mandar os meus; mas vão fazer o quê?! A plantação de cannabis é ilegal. Agricultura?! No campo?! No campo, não pode ser. Antes dos jovens, há cem mil agricultores portugueses, profissionais do ramo, que também tinham algum interesse em praticar a agricultura (e que possuem o chamado terreno) mas recebem subsídios da União Europeia para que não se atrevam a fazê-lo. Em termos de reformas agrárias, demos muitas voltas e acabámos no "a terra a quem não se atreva a trabalhar." 

Seja como for, sou muito sensível ao apelo da terra (especialmente no início da Primavera, por causa das alergias) e acho que uma revolução no sector agrícola pode ser essencial para conseguirmos sair da crise. Nunca subestimem o poder de um legume - os alemães que o digam. 


5 para entreter enquanto espera por meia-dose de governo
1.
 "Sócrates irá fazer um ano 'sabático' e vai para o estrangeiro estudar filosofia" - nãaaaaao! Outra vez os gregos! Só sei que nada sei.
2. "O Presidente da República disse esperar que os portugueses queiram ser curados" - vamos a meio caminho, já estamos coalhados.
3. Juízes apanhados a copiar passam todos com 10 valores - mas com uma repreensão por terem sido apanhados. Com 7 valores ficam os que os apanharam, mais uma multa de cem euros por desrespeito ao tribunal. Têm desculpa. A ocasião faz o ladrão, e a toga está mesmo a pedir cábulas.
4. O ex-líder do PS anunciou a saída da política portuguesa e despediu-se dos camaradas com um "adoro-vos" - Afinal, Sócrates é um animal de peluche. Consta que Assis terá respondido: "papá!" e que Seguro fez bolhinhas de cuspo com a boca.
5. Segundo o CM, Fernando Nobre foi um problema nas negociações entre PSD e CDS. Mas tornou-se um "problema contornável" …Espero que não estejam a pensar dar-lhe um tiro na cabeça. Acho que o lugar de deputado e a oferta da colecção de radiografias do Catroga, à AMI, é tudo o que Nobre leva destas eleições.

O choque do presente

Leonel Moura


Há certamente alguma coisa de intrinsecamente português na crise que atravessamos.
Coisas mal feitas ou que podiam ter sido feitas melhor, problemas estruturais, maneiras de ser e de estar, clima, rotinas, atrasos. Mas aquilo que realmente determina o essencial do momento negativo em que nos encontramos não é da nossa responsabilidade. É, sobretudo, deste tempo civilizacional que nos coube viver. E, já agora, também da incapacidade de o pensar e entender. 

Conjunturalmente, os economistas culpam o excesso de despesa do Estado; o esquerdismo diz que a origem do mal está no comportamento agiota e predador dos bancos; a direita aponta o dedo aos que não querem trabalhar; os demagogos acusam os políticos; e todos por junto não têm dúvidas de que foi Sócrates o causador da nossa desgraça. Argumento que, servindo de desculpa a néscios e inteligentes, a seu tempo irá desvanecendo por via dos ventos da cronologia. Nestes simplismos, esquece-se com demasiada frequência que atravessamos um período histórico de aceleradas transformações. Tão velozes e profundas que pessoas e instituições têm uma enorme dificuldade em acompanhar-lhes o passo. No topo da dinâmica de mudança está a revolução tecnológica e o tremendo maremoto que varre saberes, profissões, atividades e economias inteiras. Efeito que é potenciado pela globalização e pela legítima aspiração a melhor vida dos pobres, da China ao Brasil. No mundo da agressiva competitividade do lucro há sempre quem consiga produzir mais barato e atire, tanta vez do outro lado do planeta, imensas multidões para o desemprego. Acresce que temos assistido a uma franca decadência do papel regulador e de moderação social dos Estados. Em nome da liberdade de iniciativa, muito positiva em si mesmo, é o sentido do bem comum, da ética e da responsabilidade social que se vai perdendo. Os Estados, que sempre foram a antecâmara dos economicamente poderosos, são hoje quase totalmente dominados pelo interesse privado. Neste contexto, o permanente ataque à política, aos políticos e à democracia representativa tem claramente um objetivo ideológico de favorecimento dos poderes não-democráticos. Há ainda a considerar o efeito do número. Pense-se em Portugal. Com menos gente do que tantas cidades - São Paulo, Bombaim, Xangai ou Istambul têm cerca de 20 milhões cada -, torna-se difícil competir numa lógica de quantidade que gera qualidade. Se, a título de argumento, imaginarmos que o mundo produz um génio por cada 10 milhões de habitantes, nós só temos direito a 1. Por fim, e não menos importante, temos o fenómeno do ruído e consequente confusão mental, cultural e civilizacional, gerado pela média. A informação praticamente desapareceu, para dar lugar a uma verdadeira doutrinação quotidiana levada a cabo pelos meios de comunicação cada vez mais poderosos e omnipresentes. O jornalismo transformou-se numa militância. O campo do informativo é agora o palco privilegiado da política antipolítica. É assim que imaginar que os nossos problemas irão desaparecer através das simples receitas da redução das despesas do Estado local, diminuição das suas funções, privatização de tudo e fechamento nacional, cedo revelará ser uma grande ilusão. Há efetivamente que diminuir o papel do Estado, nalguns casos drasticamente, naqueles domínios em que ele interfere com a vida e a liberdade dos cidadãos. Mas, por outro lado, não se pode deixar de o reforçar nos campos fundamentais de acesso ao conhecimento, à saúde e bem-estar, e na defesa intransigente dos direitos de cidadania, trabalho e consumo. Ora isto não pode ser feito sem fortes convicções democráticas. O mesmo é dizer sem um manifesto sentido do bem comum. E aí, não há nada no horizonte da próxima governação de direita que aponte nesse sentido. Algumas ideias que aí vêm são mesmo bastante perniciosas. A desvalorização da educação, a sobrevalorização de tudo o que é privado, o nacionalismo e o populismo, só podem favorecer o atraso e a incapacidade de estarmos e sermos parte ativa no mundo. Não há nada de mais nefasto na procura de soluções do que não perceber o problema.

O Porto em Circuito Fechado

Nicolau do Vale Pais



O cargo de Presidente da Câmara Municipal do Porto é um cargo de absoluto privilégio no panorama político-mediático português
"A Democracia é difícil, mas dela não nos demitimos."
Francisco Sá Carneiro, 1934-1980. Portuense, advogado, fundador do PPD/PSD, primeiro-ministro (1980). 


O cargo de Presidente da Câmara Municipal do Porto é um cargo de absoluto privilégio no panorama político-mediático português: nenhum cargo oferece tanta visibilidade, pedindo em troca tão pouco escrutínio. Com a abstenção média acima dos 40% nos últimos três actos eleitorais, cerca de 65.000 votos garantem hoje uma maioria (ou muito próximo disso) a quem se candidate. Para este facto contribuem razões diversas, que vão desde a visão indiferente da Cidade e da Região cultivada na sede mediática nacional até, claro, aos doridos bicos de pés com que os representantes locais (poder e oposição incluídos) se põem à espreita de carreira; não são alheios, também, o problema económico regional - que é peça fulcral do problema económico nacional, agora brutalmente agravado pela conjuntura internacional - ou a demografia do concelho do Porto, em sangria desatada de habitantes há mais de uma década. Aguardaremos pelos resultados dos Censos de 2011 em Julho próximo, mas estas perdas do lado da receita - estima-se, no momento, que a Cidade tenha perdido mais de 50.000 habitantes nestes últimos 10 anos - carecem de discussão séria, pois não costumam entrar nos "soundbytes" das notícias sobre as finanças municipais. Esta quebra brutal não é uma mera realidade estatística, mas um problema seríssimo de sustentabilidade do papel do Porto na Área Metropolitana: é que, infelizmente para a Cidade, a perca de munícipes não desonera a gestão municipal de avultadíssimas despesas nas infra-estruturas metropolitanas, pois o cidadão não-residente não deixa de depender da Cidade e de a "usar" no seu quotidiano. O reflexo disso mesmo pode ser visto por qualquer um que conheça o traçado e o perfil do utilizador do Metro do Porto. O Turismo tem servido de capote a todo o tipo de excentricidades, desde os 6% de IVA para o Golfe de José Sócrates, até loucuras como o Circuito da Boavista, que este fim-de-semana tem o seu "debute"; não se pode levar a sério a estratégia de promoção do Porto (ou do Norte, ou do País) através do desporto automóvel, quando se andou a ignorar ostensivamente o centro histórico da cidade (e a marca "Património Mundial"), hoje pouco mais que um "resort" noctívago de toda a área metropolitana. Os supostos proventos da iniciativa têm sido panfletariamente anunciados como "de interesse público", mas é por demais evidente que eles estarão fortemente concentrados em áreas ou nichos restritos da actividade económica, como o o sector hoteleiro de luxo, dizendo muito pouco ao comércio tradicional, por exemplo. Isto equivale a dizer que poucos munícipes beneficiarão dessa eventual prosperidade e do investimento que fizeram enquanto contribuintes, por um lado, e enquanto munícipes massacrados, pelo outro, suportando a perturbação durante praticamente três meses da mais nobre zona turística da cidade, a sua linha de mar, a sua principal avenida e o seu parque urbano (que é um dos maiores da Europa) enjaulados (literalmente) entre grades. Se vier ao Porto, da Avenida da Boavista não se vê a vista de mar que lhe deu o nome, durante semanas a fio, com os cidadãos a queimarem tempo, dinheiro, combustível e coragem para suportar índices de ruído e de poluição indignos deste século. Infelizmente, é precisamente quando voltamos às múltiplas possibilidades distintivas de articulação estratégica com o país e a região (do Gerês ao Alto-Douro vinhateiro, da Galiza a Faro), que percebemos que porventura os incómodos causados e a gigantesca despesa - o Circuito custa quase o dobro do que as Juntas de Freguesia têm para se amanhar durante todo o ano - não são o lado mais obsoleto desta história: teimar "num estilo" é mau para a Democracia porque traz o risco de nos apartar do nosso sentido de representação, que deveria ser ulterior até ao nosso sentido de voto e fundatório do nosso sentido de legitimidade. Penso que era a essa dificuldade que Francisco Sá Carneiro aludia.

Quantos economistas são necessários para dirigir o FMI?

Paulo Querido

1. Quantos economistas são necessários para dirigir o FMI?
Quantos economistas são necessários para dirigir o Fundo Monetário Internacional? Nenhum. Christine Lagarde é advogada de formação e o cargo vai mesmo ser dela, a julgar pelas notícias recentes. Strauss-Khan é economista, tal como boa parte dos antecessores - por exemplo o alemão Horst Köhler e o seu predecessor, o francês Michel Camdessus, que no final dos anos 1990 deixou estalar a crise financeira asiática, custando-lhe o cargo.Já o espanhol Rodrigo de Rato, que dirigiu o Fundo entre 2004 e 2007, era um jurista e político, como Lagarde. A experiência em gestão de crises e conflitos é mais importante que conhecer os números e para estes tem o FMI paletes de economistas. Lagarde domina os bastidores da zona Euro e quando for eleita já o FMI terá enviado para a Grécia um novo balão de oxigénio, capaz de manter a respiração do país - e da moeda única - mais uns meses. Até ver.

2. Osama bin Laden 
A nomeação do egípcio Ayman Al-Zawahiri para sucessor de Osama bin Laden na direção da Al Qaeda fez o pleno nos jornais de economia. Digamos que não é uma nomeação inesperada: Com 59 anos, Al-Zawahiri era o número dois do grupo terrorista. Promete continuidade na "obra". Mas não tem no Ocidente o mesmo perfil do seu mestre. Basta olhar para a nuvem: é o nome de bin Laden, e não o seu, que aparece nas notícias.

3. Pandora
Desilusão em quem esperava uma IPO ao rubro. A sobriedade voltou ao mercado nova-iorquino para acolher a oferta inicial da Pandora, uma das estrelas da Internet. Serviço de rádio pela web com 94 milhões de utilizadores e zero de lucro, teve as ações no 26 dólares mas fechou a 17,42, apenas 9% acima do valor de abertura. O LinkedIn duplicou de valor no primeiro dia e o Yandex - a Google russa - valorizou 55%.