sábado, junho 11

Três desejos absolutamente líricos para o Dia de Camões

Nicolau do Vale Pais

Não percebo nada dos desígnios do acordo ortográfico, nada mesmo.

O fim do acordo ortográfico. 
Não percebo nada dos desígnios do acordo ortográfico, nada mesmo. Só consigo entendê-lo adivinhando-lhe uma óptica comercial, mercante - e a língua não é coisa que se comercie. Detecto um síndroma compulsivo de mudança permanente, uma espécie de fuga para a frente à falta de fomento de base, semelhante a quando começamos a arrastar os móveis para redecorar a sala, que afinal precisava era de obras. Não vejo de que maneira um conjunto aglutinador de alterações possa contribuir para a valorização da internacionalização da nossa cultura, sendo claro que sabemos que a inteligibilidade das variantes magníficas da língua portuguesa nunca esteve em questão. Nunca escreverei em tal "coisa": sou um "espectador" da língua, não um "espetador" de facas de gume rombo. Permitam-me a analogia: uma coisa é a evolução natural das espécies, outra coisa será o seu "upgrade" genético, mesmo que as alterações introduzidas sejam apenas a aceleração do naturalmente expectável. A Língua, para um compatriota de Camões, é o correr da História gravado nas palavras; convém que siga o seu curso natural, mantendo presente que a sua dimensão planetária é inversamente proporcional à escala do seu território nativo.

A defesa da qualidade da ficção.
Os "Morangos com Açúcar" celebram oito anos de longevidade e sucesso. Esta é uma proeza que, atendendo aos números de horas diárias de consumo de televisão pelas famílias portuguesas, tem tanto mérito quanto conseguir vender água num deserto. É mesmo um diabólico embaraço nacional a parada de "one-hit wonders" que por ali passa, numa exploração primitiva de uma juventude moldada à medida plástica dos "sponsors" do programa, principais beneficiários directos da mensagem propagandística do oco conteúdo; toda a gente teima em fazer de conta que estes não existem, para que se não levante o pano sobre o negócio da auto-proclamada "melhor ficção nacional". Na realidade, nem sequer se pode chamar "ficção" com toda a propriedade a esta pobreza de espírito, pois uma ficção seria, por definição, uma narrativa criada a partir da imaginação; ora, todos sabemos que aquele carnaval mais não é do que uma fantasia, uma fantasia de, e para o consumo como factor diferenciante entre os membros de uma comunidade. Experimente "googlar" a coisa, tope os "blogs" e afins; depois diga-me, ainda antes desse comentário em que se preparava para me rotular de elitista, o que espera realmente de uma geração cuja única imagem de si própria é aquela. A televisão não é feita por si, isso é mel para moscas; é feita pela falta de escolhas. Venha de lá um serviço público e uma política audiovisual decente, e toca a baralhar o mercado. Sociedade de consumo só vale a pena com liberdade de escolha.

A preservação do Património e o apoio à Criação.
Mais uns anitos e nem mesmo aqueles que só conseguem fazer a defesa da Cultura Portuguesa a partir do equívoco histórico-triunfal dos Descobrimentos, terão ainda edificado que lhes faça prova arquitectónica do discurso. Os monumentos portugueses estão em estado lastimoso, juntando-se, por exemplo, ao degradado edificado urbano, também ele humilhado pela treta da política para o Turismo, o completo desprezo pela coesão do território e a mais pérfida tolerância ao pato-bravo. Quantos são os locais no Mundo que adoraria visitar e onde nunca, jamais, gostaria viver? Venha de lá essa política virada para a conservação e, transversalmente, deixemo-nos de balelas: todos sabemos que, mesmo que os apoios às Artes vissem as suas verbas aumentadas em 1.000 vezes, o montante não daria para mandar comprar a bandeira para hastear na comemorações de inauguração dos novos submarinos. Aliás, só as "luvas" que jornais que ainda investigam (como o alemão "Der Spiegel") e estimam terem ficado pelo caminho neste "international" negócio davam para 50 anos de programação regular de um Teatro Nacional. Dia de Portugal é todos os dias, com especial incidência para aqueles em que, como no passado dia 5, nos arrogamos o direito à representação colectiva em troca da responsabilização individual. Não se trata de chauvinismos gratuitos, é mesmo uma questão de fundamentos para um novo modelo económico assente em três factores de competitividade universais: identidade, originalidade e qualificação. A nossa Lusa lucidez dependerá sempre da nossa criatividade e capacidade de reinvenção; essa é a nossa sina e o nosso orgulho. Resumir uma Democracia à capacidade de "castigo" do ex-governante é pequeno demais para nós. Ainda há muito Portugal para celebrar.

Sus! Vamos a isto! Vamos a eles!

Baptista Bastos

Sou dos que não acreditam na durabilidade deste Governo.
Paulo Portas é um azougado, por vezes infantil e sempre com a desenvoltura própria de quem julga estar permanentemente numa decisiva maratona. É lido, informado e centralizador. Porém, notoriamente imaturo e absolutamente imprevisível. O que acusava em Sócrates cai-lhe em cima por inteiro. Depois, queira-se ou não, o CDS e as suas ascensões e quedas resultam do vazio da Direita e da circunstância de ser um fenómeno temporal. Portas foi o modelo Gucci da política modernaça: camisa esgargalada, boné ou chapéu de feira, consoante as situações.

Neste deboche em que se encontra Portugal, o objectivo de Portas era ser Governo, soprasse o vento de onde fosse. Como escreveu um preopinante do mesmo estilo: "ele é um homem charneira." Eu, ficaria seriamente chateado com o qualificativo. Ganhasse o PS e lá estaria o Portas a tocar no batente do vencedor. Como foi o PSD e, sobretudo, Passos Coelho o vencedor, Portas apresentou-se logo ao serviço. Aquela frase: "Quem dá mais é que é o patrão", por indecorosa e até sórdida, abriu caminho às piores abjecções. Um pouco o que acontece agora.A coligação teve o apoio e a água benta do dr. Cavaco. Ficou muito satisfeito e até tem acelerado a constituição do novo Executivo. Tudo isto é muito estranho e muito estafado. E muito falso. O dr. Cavaco detesta Passos Coelho, desde o tempo em que este, dirigente da JSD, lhe fez frente e quase o desacreditou publicamente. O dr. Cavaco, tem um carácter ressentido e não esquece nem perdoa. Por outro lado, execra Paulo Portas, que, semanalmente, n' "O Independente", o enxovalhava sem dó nem piedade. Assistir aos abraços e aos sorrisos desta gente faz vomitar, mesmo aqueles que são sólidos de estômago.Pedro Passos Coelho, por seu turno, não é lenço mole. E já o afirmou: "quem manda aqui sou eu." Pode Paulo fazer pressões e até pequenas chantagens caseiras, que encontra pela frente um indivíduo aparentemente afável, bem-educado e de voz bem timbrada, mas muito senhor do seu nariz. Quem o conhece desde rapaz faz unanimidade: ele não é para graças, e o seu apego ao poder, por enorme que seja, não está fixado com cola-tudo.Há qualquer coisa de contra-natura, salvo seja!, nesta ligação de interesses, que não de convicções ou de ideologias. Impante e afirmativo, Portas veio a palco declarar que Passos nem pense em beliscar a questão social. Aí, firme, fez uma declaração de princípios: "Estou mais à Esquerda do que o PSD." Passos não gostou nada do dito, mas teve de o engolir, para não encardir as coisas logo de início.Não basta consultar a pitonisa de Delfos, nem pedir à Maya que lance as cartas do tarot para percebermos as fragilidades desta aliança. A própria natureza dos dois homens é reveladora. Pedro Passos Coelho não está disposto a ceder naquilo que considera o essencial. E Paulo Portas quer tudo o que seja visibilidade e protagonismo. Talvez tenha razão. Ele sabe que o CDS, sem ele, voltará a ser um partido cujos elementos cabem num táxi. Além do que ele próprio não sabe fazer outra coisa senão política. O jornalismo, como no século XIX, serviu-lhe como trampolim. Repare-se no número de amigos e conhecidos que deixou, trucidados, pelo caminho. Consta que Luís Nobre Guedes até chorou.Quanto ao PS: aquele partido parece uma desgraça. Costa recusou "liderá-lo". Diz que está muito bem na Câmara, e assim seja. António José Seguro, que não me atrevo a qualificar, protagonizou a cena mais grotesca que já assisti: no intervalo de uma viagem de elevador, disse que sim, disse que não, disse que talvez. Está desejoso de mandar, desde logo se viu. Mas é um homem de escassas qualidades. Um carreirista sem convicções, tão profundamente "socialista" quanto o pode ser sei lá quem. Francisco Assis tem nome de santo, mas está longe de o ser. Viu-se, em Felgueiras, há anos, a coragem física e moral que ostentou, ao enfrentar um bando de energúmenos que ameaçava linchá-lo. Parece um frigorífico, gelado e informe, mas defende as suas ideias e parece-me um homem estimável. Quanto ao resto…O panorama não é animador. Temos uma coligação cheia de estremeções; um PS esburacado; um Bloco em crise de endemia; um PCP que se vai mantendo, e um Presidente da República pior do que se suspeitava.Historicamente, já aguentamos pior. Historicamente, vamo-nos aguentar. Vamos a isto, meus Dilectos! Sus! Vamos a eles!

Sem estado de graça

Bagão Félix

Acabada a campanha eleitoral, regressa a dura realidade. O novo Governo, ao contrário da praxe, não vai ter estado de graça perante a desgraça de um país fortemente endividado e dependente.  Ultrapassados os arcaicos prazos legais, o Executivo iniciará o seu mandato sem sequer contar com um escassíssimo recurso: o tempo. O seu guião é, forçosamente, o Memorando com o FMI e a UE que - recorde-se - foi, ainda que de um modo indirecto, aceite por 78% dos eleitores (PSD, PS e CDS). Até finais de Julho, terão que ser concluídas mais de uma dezena de importantes medidas. E até Setembro, cerca de 25! Algumas delas têm uma natureza directa e acentuadamente social. O que imporá uma abordagem de concertação social inteligente, célere e eficaz. Refiro-me a medidas tais como as alterações no desemprego, onde é necessário conciliar a prevista redução do subsídio com a protecção dos mais velhos que dificilmente reentrarão no mercado de trabalho, deixam de receber o subsídio e ainda não têm idade para se reformar. Ou o congelamento das pensões (de que a inflação se encarregará de diminuir o valor real em mais de 10%), importando definir quem a ele não é sujeito e que no Acordo é apenas enunciado de uma forma vaga (abrange as 800.000 pensões mínimas à volta de 200 €, ou vai até cerca de 400 €, atingindo 1.600.000 pessoas)? Ou, ainda, como se vai conciliar a redução das indemnizações por despedimento (em convergência com o que se passa na Europa), com a protecção dos mais velhos, que são os que verão a sua compensação fortemente reduzida. Ou, por fim, se não se deve evitar essa aberração de um Fundo para financiar parcialmente os despedimentos, através de uma "nova TSU" financiada pelas empresas que não despedem para benefício das que despedem.

A esquina do Rio

Manuel Falcão


"Não há exemplo de alguém ter feito tanta coisa mal feita em tão pouco tempo"

Passado
"Não há exemplo de alguém ter feito tanta coisa mal feita em tão pouco tempo" - assim se referiu Belmiro de Azevedo a José Sócrates, cuja actuação, sublinhou o empresário, não foi a de um primeiro-ministro, mas de chefe de um grupo. Estas palavras, transpostas do Governo para o PS, são a exacta análise política do que aconteceu ao longo dos últimos anos e que agora está à vista. Sócrates serviu-se do PS para os seus interesses - para manter o seu poder pessoal - e, quando o perdeu, despediu-se com um lacónico "Adoro-vos" - um final que nem os mais criativos argumentistas de comédias de televisão imaginariam. Olha-se agora para o PS e vê-se um partido sem liderança, sem programa, com uma ideologia apenas residual e com um número reduzido de interessados em tentar resolver o problema. Sócrates na realidade secou tudo à sua volta, foi um parasita que se alimentou do aparelho, estiolando-o. Usou os seus amigos, os seus fiéis, para manter a máquina em respeito, usou o Estado para distribuir benesses a um nível que provavelmente ainda nem imaginamos. Fez tudo isto num metódico plano de tomada de poder que no início contou com a cumplicidade actuante do então Presidente da República, Jorge Sampaio, que manobrou a evolução política de forma a só convocar eleições quando Sócrates e o PS já se sentiam com condições para vencerem. Por isso, na hora da despedida, convém recordar que a incompetência de que Sócrates deu mostras como primeiro-ministro tem origem no golpe palaciano que Jorge Sampaio montou enquanto Presidente da República, depois da saída de Durão Barroso, em Junho de 2004. Esta é também uma parte de tudo o que aconteceu e que a História um dia estudará. O derradeiro episódio do estilo Sócrates aconteceu terça-feira, quando finalmente o Ministério das Finanças anunciou oficialmente as medidas constantes do acordo com a troika, que prudentemente mantivera a recato durante a campanha eleitoral.
Presente
O resultado das eleições mostra algumas alterações curiosas na demografia eleitoral - em primeiro lugar mostra a nível nacional uma clara maioria de centro-direita, com sinais de que uma parte deste reforço veio do segmento dos votantes mais novos - aqueles que já chegaram à idade adulta no início deste ciclo de poder do PS - e que o repudiaram. Por outro lado, mostra que pouco mais de um ano depois das autárquicas, a maioria da cidade de Lisboa vota agora no PSD e PP - e está por saber se este resultado não mostra, também, como nas autárquicas, que parte do PSD se absteve ou fez contra-vapor ou, até, optou por votar António Costa em vez de Santana Lopes - aliás a realidade é que a Distrital de Lisboa do PSD pouco se empenhou nessas eleições locais. Não há-de ser por acaso que o maior reforço de deputados do PP se deu em Lisboa precisamente - foi a reacção natural de muitos eleitores à escolha de Fernando Nobre para liderar a lista do PSD, o que também é outro dado curioso. Se é verdade que Passos Coelho conseguiu derrotar Sócrates, também é verdade - e deve ser salientado - que o fez com um programa de claro posicionamento mais à direita, contribuindo para separar as águas. Mesmo assim, ganhou - o que quer dizer, talvez, que também alguma coisa está a mudar no País. A análise de algumas sondagens pré-eleitorais permitia já perceber que a esquerda estava a reter o voto dos mais idosos e conservadores, que ainda vivem segundo os dogmas criados em 1974 - enquanto ao centro-direita surgiam eleitores mais novos e mais abertos a mudanças. É muito interessante ver, a este nível, que o PP em 2005 elegeu 12 deputados e, agora, elegeu 24 - duplicou a sua representação parlamentar em meia dúzia de anos. Toda esta situação é nova em Portugal e representa um desafio adicional para os dirigentes políticos que em breve irão governar o País. As condições estão criadas para a coisa correr bem. Esperemos que haja o bom senso de não estragar o que a votação criou.

Futuro
No rescaldo destas eleições é impossível contornar dois ou três factos que merecem estudo, resposta e eventuais alterações no funcionamento do sistema. O primeiro tem a ver com o aumento da abstenção, contrariando o apelo - aliás um pouco excessivo - de Cavaco Silva. A abstenção não se combate com apelos, combate-se com uma efectiva mudança no funcionamento dos políticos e na forma como os partidos conseguirem relacionar-se com os cidadãos, fomentando a participação cívica e não a limitando à militância nem ao cheque em branco. Estamos, como estas eleições mostram, a deixar a fidelidade absoluta aos partidos e a agir em função dos comportamentos dos políticos - Sócrates e Louçã sentiram isso mesmo nos resultados. Mas o funcionamento do sistema político há-de também passar pela reforma do Parlamento e pela revisão da Lei Eleitoral, cada vez mais desadequada da realidade actual. Os episódios lamentáveis das decisões de tribunais sobre os debates nas televisões devem fazer pensar no absurdo precedente que foi criado - e o melhor é encarar o problema de frente nos próximos actos eleitorais. Finalmente não deixa de ser estranho que esta campanha tenha acabado por ser das mais antiquadas em termos mediáticos - mesmo a presença dos partidos no mundo digital foi menos criativa e interessante que em algumas outras ocasiões.

Pobre Portugal

Leonel Moura

Já aqui escrevi o que penso de António José Seguro. Nunca conheci político mais nulo, mais desinteressante, mais inculto.
Os seus discursos dão sono, os seus escritos são um chorrilho de má literatura e insignificância. Não se consegue passar da terceira linha. Ideias, nenhuma. Haverá muitos outros assim mas não ao nível de candidatos a chefe de partido. Seguro é um produto em tudo semelhante a Passos Coelho. Ambos subiram pela escada das juventudes partidárias, nunca fizeram nada de relevante na vida, não têm profissão nem talento particular mas, de algum modo obscuro, lá conseguiram chegar ao topo das respetivas máquinas partidárias. Não lhes invejo a sorte de tanta reunião enfadonha e refeição intragável que tiveram de engolir. Sucede que PS e PSD quando perdem eleições entram num tremendo rodopio de disparate. Os dirigentes passam da cumplicidade à confrontação. Os militantes, desorientados, agarram-se às piores escolhas e mais estapafúrdias decisões. Na confusão tende a prevalecer quem domina o "aparelho". Essa coisa que existe nestes partidos, ninguém sabe realmente o que é ou representa, e se assemelha a uma doença contagiosa. Má. Isto deve-se precisamente porque se estes partidos têm certamente aparelhos não têm pensamento. Não se estuda, não se discute, não se prepara o futuro seriamente. PS e PSD são sempre levados na onda da conjuntura. Não existe por estas bandas, de facto, um pensar estratégico a médio e longo prazo. Isso fica sempre para depois, normalmente para o dia de são nunca à tarde. É assim que o PS se prepara para fazer a primeira asneira após a derrota eleitoral. Até conseguir regressar ao poder, sabe-se lá quando, irá fazer muitas outras. De imediato, a escolha de Seguro, para além da sensaboria, significa a rendição total do PS ao governo de direita. Não por acaso é ele também o candidato preferido por essa mesma direita vitoriosa e pelos principais meios de comunicação. Que o levam literalmente ao colo desde há anos. O que o próprio manifestamente aprecia e que confunde com efetivo apoio popular. Mas também o que pode este partido fazer depois da hecatombe? Ao ter negociado e assinado o acordo com a chamada troika o PS vai ter de aprovar no parlamento todas as medidas escritas no papel e outras que delas derivam. Seguro, que é bom a andar para cima e para baixo em elevadores, irá protestar, simular indignações, mas no momento certo dará ordens à turba passiva de deputados para aprovar tudo. O PS vai passar um mau bocado. Tudo isto é contudo assaz desinteressante. Nos próximos anos a política portuguesa será medíocre e previsível. Teremos as trapalhadas habituais de qualquer governo em cujos corredores circule Paulo Portas e a sua mente viperina. Teremos as intrigas palacianas, o reanimar do saco de gatos que o PSD é em qualquer circunstância. Teremos as manifestações, as greves, as cargas policiais, os casos e os negócios obscuros, a ocupação do aparelho de estado pela esfomeada horda laranja, as decisões ruinosas para o país e, pelo meio, em nome do aleatório e da tentativa e erro, alguma coisa bem feita e acertada. Teremos também os discursos tão agressivos quanto inconsequentes de Louçã, esse exímio sempre em pé, e as tiradas patéticas de Jerónimo que, de tanto querer defender os trabalhadores e os seus amanhãs que cantam, cada vez vai dando mais força à direita. Daqui a um ano Portugal estará como a Grécia de hoje, pois o processo é em tudo semelhante. Só mudou a cor do poder. Nada de surpreendente portanto para quem já viveu alguma coisa. É nesta perspetiva que tinha pensado escrever hoje sobre a bactéria E.coli. Afinal uma bactéria é um ser bem mais interessante do que Seguro. E não deixo de constantemente me autocriticar por esta evidente dificuldade em escapar a uma conjuntura tão irrelevante. Há tanta coisa a fazer e a pensar. Tanta coisa a inventar e imaginar. Mas, mais uma vez, aqui estamos todos metidos nesta jangada de pedra em deriva, lenta mas imparável, para o reino da vulgaridade. Pobre Portugal. 

E agora, Esquerda?

Paulo Martins


Primeiro, alguns lugares comuns: a Esquerda é plural; a Esquerda é certeira a identificar os malefícios do capitalismo. Depois, a realidade, sem maquilhagens. A Esquerda é tão plural que se senta no G-20 e no Fórum Social Mundial; assina por baixo os ditames da "troika" e aponta-a a dedo como potência estrangeira. É Esquerda desunida. Uma das suas faces ajuda a gerir o sistema, enquanto a outra o combate. E esta, a Esquerda de denúncia, entrincheira-se tanto que perde a capacidade de construir uma alternativa.
Quando toca a rebate, é a Direita que remove divergências e se concentra no essencial, a conquista do poder. Não, a estratégia não nasceu ontem; há muito se enraizou - e não apenas em Portugal. Com uma diferença, que não é de somenos: desta vez, a Direita destruiu a "teoria dos ovos", segundo a qual os portugueses não gostam de os pôr todos no mesmo cesto. Pela primeira vez, instalou-se nas três instâncias de poder. Com tempo para blindar as suas posições, mesmo em tempos de austeridade. Não será uma nuvem passageira.
Se este cenário não é suficiente para que a Esquerda reflicta sobre o seu rumo, de duas uma: ou quer continuar a viver de ilusões ou já atirou a toalha ao chão e não o assume. De pouco vale a constatação de que a crise financeira - a da "bolha" de 2008, que revelou a falência dos modelos de regulação - em vez de fustigar os partidos que fazem do liberalismo à solta a sua "bíblia", abateu ao efectivo, por essa Europa fora, governos socialistas.
Por que terá sido? Porque - e este é outro lugar comum - quando a Esquerda chega ao poder limita-se a gerir o sistema, em nome de inevitabilidades económicas. É ver a experiência portuguesa. António Guterres, com mais ou menos "social" na acção política, foi um privatizador militante. Sócrates, tendo o PSD como fiel escudeiro nas políticas económicas, assentou em causas mais ou menos "fracturantes" (despenalização do aborto, casamento homossexual, paridade) a diferença em relação à Direita.
É pouco, ainda que pontualmente tenha permitido a PS, PCP e BE viajarem no mesmo barco. Para logo voltar à tradição: três partidos de costas voltadas, cada um a agarrar-se à Esquerda que reclama como sua, do vasto cardápio.

O PS e a síndrome do eucalipto

Camilo Lourenço

É um problema recorrente dos partidos. Quando um líder forte abandona o poder, é o cabo dos trabalhos para encontrar dirigentes novos, que se consigam afirmar.
Foi assim depois de Sá Carneiro, foi assim depois de Mário Soares e foi assim depois de Cavaco. Com a saída de Sócrates vai o PS passar pela mesma travessia do deserto? Vejamos: para o lugar de Sócrates perfilam-se António Costa, António José Seguro e Francisco Assis. O terceiro Costa, o Vitorino, está (por vontade própria) de fora. 

António Costa, depois de uma pequena reflexão, disse não estar interessado porque a Câmara de Lisboa exige dedicação exclusiva, não acumulável com as funções de secretário-geral. A sua reflexão foi uma encenação: Costa não queria, agora, o lugar. Se quisesse, deixaria a Câmara…Não o faz porque está preocupado com duas coisas: a primeira é que a liderança de Sócrates "torrou" de tal maneira a reputação do PS (veja-se os 28% de votos) que, mesmo um líder novo pode não conseguir galvanizar o eleitorado nos próximos anos. A segunda é que Costa prefere que outro (Assis ou Seguro) faça a travessia do deserto, enquanto o PSD se "queima" a aplicar um memorandum que, mais tarde ou mais cedo, vai provocar uma grande perda de votos. Neste cenário, António Costa surgiria mais tarde, num momento bem mais apetecível: governar depois de o PSD ter feito a "limpeza" da economia e depois de o "regente", Seguro ou Assis (ou os dois, à vez) ser afastado. A questão é saber se os "regentes" serão mesmo… regentes… ou se conseguirão fugir ao destino dos líderes que se seguem às presidências fortes (aqueles que secam tudo à sua volta). Mas isso fica para outra análise.

Cavaco e o interior do país

Paulo Ferreira


O presidente da República lançou ontem, nas comemorações do 10 de Junho, um lancinante apelo à "revalorização do interior do país", matéria que deseja colocar na "agenda nacional". Cavaco foi duro no diagnóstico, ao assinalar, perante Sócrates e Passos Coelho, "o menosprezo dos poderes públicos pela realidade do interior"; foi afável com os sofredores do "menosprezo", ao apontar-lhes "um espírito indomável"; e foi realista na avaliação das consequências, ao sublinhar a existência de "um país desequilibrado, um território a duas velocidades". Está tudo certo - e é tudo sabido e consabido há muitos, muitos anos.
Ao ouvir o chefe de Estado, lembrei-me de um discurso proferido por Jorge Sampaio, então presidente da República, no encerramento do II Congresso de Trás-os-Montes e Alto Douro. A conversa era mais ou menos a mesma, com a diferença de Sampaio ter terminado com as lágrimas penduradas por um fio, tal foi o tom emocionado com que se dirigiu à plateia.
A conversa foi a mesma, como os problemas do interior são hoje os mesmo de então. E, por muitos discursos empolgados, emocionados e estruturados que se façam sobre a matéria, nada de relevante se alterará, pelo menos até ao momento em que se verifiquem, cumulativamente, duas circunstâncias: mudança geracional e de atitude por parte de muitos presidentes de Câmara e criação de regiões. Até lá, por muito massajado que seja o ego dos pobres, abandonados e desfavorecidos, nada de substancial se alterará.
Os sinais, recentes e passados, apontam todos no mesmo sentido: sabendo-se esquecidos pelo poder central e sem a companhia de uma interveniente sociedade civil , autarcas, associações de municípios e quejandos são incapazes de ultrapassar uma espécie de minifúndio institucional (extensão política do minifúndio rural): todos reclamam para si o melhor, esquecendo que, num tempo global como este, não faz sentido nenhum discutir e pugnar pelo que é estritamente local. Faz sentido, isso, sim, aproveitar, em conjunto, o que só o local tem para satisfazer o que o global reclama. As consequências deste fechamento são terríveis.
O problema não é a falta de políticas - essas estão todas devidamente enumeradas e avaliadas há muitos anos. O problema é a falta de políticos capazes de desenhar e pôr em marcha uma estratégia global para a sua região.
Sim, é verdade: com regionalização, tudo seria mais simples. Porque sem ela um grande problema de um município ou de uma região será sempre um pequeno problema para os principais decisores do país.

Dos melhores do mundo

Daniel Deusdado


Deve ser difícil encontrar um momento da história do Porto em que tantas figuras vivas da cidade sejam referências globais em simultâneo. Ao ouvirmos Barack Obama falar da obra de Eduardo Souto de Moura na entrega do Prémio Ptritzker (conhecido pelo 'Prémio Nobel' da Arquitectura) sente-se qualquer coisa de especial. Souto de Moura é agora um herói à escala planetária. De repente ele é o "É-do-ar-do So-to Mô-ra" na boca do presidente dos Estados Unidos! O mesmo se passa com Álvaro Siza Vieira, também ele 'Nobel' da Arquitectura e a poder beneficiar, em vida, das possibilidades que esse galardão lhe deu para projectar obras pelo Mundo.
Se saltarmos da arquitectura para outras ciências encontramos Sobrinho Simões na investigação sobre o cancro e a quem, mais tarde ou mais cedo, se juntará um prémio mundial (ainda que ele não seja necessário para dar mais brilho e sentido à sua carreira). O Prémio Camões, para Manuel António Pina, é outro momento que torna as nossas ruas, os nossos cafés, como berços de ideias geniais. Havia antecessores neste galardão: Eugénio de Andrade, Sophia Mello Breyner e Agustina Bessa-Luís, todos gente de granito como nós. E claro, o eterno e aclamado (lá fora) Manoel de Oliveira no cinema.
Noutro campo de conhecimento, Jorge Nuno Pinto da Costa ficará como o presidente de um clube que em três décadas se transformou no maior coleccionador de troféus (e não só) da história do futebol mundial. Nem Santiago Bernabéu, pelo Real Madrid, ou Berlusconi, pelo Milão, foram tão longe. E não se trata apenas de vencer títulos mas o facto de o Porto ter ganho uma indústria ligada ao futebol pela sua mão (e em certo sentido, embora em menor escala, também pela de Valentim Loureiro).
André Villas-Boas é um nome seguinte nas referências mundiais 'made in Porto'. Que começa na Foz e tem o 'acaso' da proximidade com Bobby Robson, um mago do futebol que ajudou a sedimentar a cultura de 'ataque' e vitória do F.C. Porto. A possibilidade dada a um jovem como Villas-Boas de contactar com um 'guru' como Robson fez certamente toda a diferença para a sua vida, como ele próprio reconheceu logo no primeiro dia no 'Dragão'.
Acrescente-se outro factor: é Robson que traz Mourinho para o Porto e o leva depois para o Barcelona. É Mourinho que regressa ao Porto, ganha dois títulos europeus, e com esse passaporte vê abrirem-se as portas do Chelsea, levando consigo Villas-Boas. É no Chelsea que se cria o primeiro 'núcleo' de jogadores portugueses (do F.C. Porto) num só clube estrangeiro, junto a um treinador português, e com rotundo êxito. Não por acaso, o (provavelmente) maior empresário de futebol do Mundo é Jorge Mendes. Onde vive? No Porto. E a sede nacional da Liga de Clubes aqui está também.
Esta indústria do futebol vai beber cultura empresarial a Belmiro de Azevedo e à Sonae, grupo que se conseguiu transformar em 20 anos no maior produtor mundial de aglomerados de madeira. Ou a Américo Amorim, o maior empresário corticeiro do Mundo mas, em simultâneo, um estratego financeiro e imobiliário que o tornam no maior accionista da Galp e, provavelmente, maior investidor imobiliário e turístico do país. E como as boas escolas de gestão tendem a replicar-se, há o efeito CIN (maior empresa de tintas da Península Ibérica) ou Efacec e Salvador Caetano (empresas cada vez mais globais e com tecnologias de ponta nos seus negócios). Isto sem esquecer, claro está, o notável êxito do calçado português, da têxtil e do vestuário que resiste, do cluster automóvel que nasce a Norte ou da sagacidade da Ibersol.
Mas haverá mais: Diogo Vasconcelos (um dos principais conselheiros de Durão Barroso, apenas com 43 anos), Paulo Rangel (com uma enorme carreiraN política à sua frente) são nomes - como outros a despontar - que manterão a produção de talentos do 'Porto' na agenda mundial. As universidades de Porto, Braga, Aveiro e Vila Real são o núcleo essencial desta esperança.
O Infante D. Henrique. Lembram-se? Nasceu aqui. Nós também. Estudar, inovar, globalizar. Vamos dar a volta a isto.

sexta-feira, junho 10

Uma justiça iníqua

Marinho e Pinto



Em Março de 2010, um jovem de 17 anos assassinou a frio o pai da namorada, alegadamente, por a vítima, de 51 anos, bater na filha e se opor ao namoro. O crime teve lugar em Santo António dos Cavaleiros e foi consumado na via pública, com dois tiros de caçadeira, quando a vítima se encontrava acompanhado de um filho de cinco anos de idade. Aparentemente tratou-se de um homicídio qualificado (punível com uma pena de 12 a 25 anos de prisão), praticado com frieza de ânimo e com reflexão sobre os meios empregados, pois o seu autor comprara a arma com o propósito de o levar a cabo.
Apesar disso, o arguido nem sequer ficou preso preventivamente, pois o juiz de instrução mandou-o para casa, com pulseira electrónica. O julgamento realizou-se em Fevereiro deste ano, tendo o arguido sido condenado numa pena de 7 anos de prisão, inferior até ao mínimo legalmente previsto para o homicídio simples que é de 8 a 16 anos. O assassino foi defendido por um dos melhores advogados portugueses e beneficiou de todas as atenuantes e mais algumas, enquanto a vítima quase foi tratada como sendo um facínora, apesar de trabalhar há 30 anos na mesma empresa e ser considerado pelos amigos como uma pessoa excelente que nunca tivera problemas com ninguém. Aliás, no seu funeral, os colegas de trabalho deixaram uma mensagem num cartão em que se podia ler: «Foste um exemplo de vida para todos nós».
No momento em que escrevo esta crónica não sei se a sentença já transitou em julgado, pois ignoro se houve recurso, mas sei que quanto mais a sentença demorar a transitar em julgado, mais tempo o arguido ficará em casa com a pulseira electrónica e menos tempo ficará na prisão, pois essa medida de coacção é descontada por inteiro no cumprimento da pena. Sei também que o assassino é filho de um juiz desembargador e de uma magistrada do Ministério Público e que a vítima era um imigrante africano natural da Guiné-Bissau.
E se evoco, aqui e agora, este caso é por três razões fundamentais.
A primeira, é para realçar que um crime pode atingir qualquer família. Perante a notícia de um crime, todos nos colocamos no lugar da vítima e, implacáveis, logo condenamos o seu autor. Esquecemo-nos, porém, que um crime envolve quase sempre duas tragédias: a da família da vítima (que, neste caso, perdeu um pai, marido e irmão), mas também a do autor do crime, cujos pais carregarão para sempre um estigma tão infamante. Por isso, todos devíamos ser mais comedidos quando se trata de julgar os (filhos dos) outros e, sobretudo, não sermos tão precipitados nas condenações.
A segunda razão é para salientar que este caso quase foi ignorado pela comunicação social, nomeadamente, pelas televisões, as mesmas que nos últimos dias têm procedido a um verdadeiro linchamento de carácter de duas menores comparticipantes num crime de muito menor gravidade. Refiro-me às duas raparigas de 15 e 16 anos de idade que agrediram com pontapés no corpo e na cabeça outra menor de 13 anos. O filme dessa agressão foi transmitido dezenas de vezes por todos os canais de televisão sem qualquer respeito pelas referências éticas que balizam o direito de informar e que no caso se impunha de forma acrescida, devido à idade das envolvidas. Durante dias, as televisões, tendo como único critério o mais sórdido sensacionalismo, exploraram ad nauseam os sentimentos mais justiceiros das pessoas, criando um alarme social absolutamente desproporcionado em relação à gravidade do crime em causa (ofensa à integridade física qualificada), o qual é punido com a pena de um mês a quatro anos de prisão). Sublinhe-se que o crime de ofensas graves é punido com uma pena de 2 a 10 anos de prisão, a qual, em certos casos, pode ser elevada em mais um terço.
Finalmente, para, mais uma vez, denunciar a iniquidade do nosso sistema judicial, duro e impiedoso com os pobres e clemente e obsequioso com os poderosos.
O autor confesso de um crime punível com uma pena de 12 a 25 anos de prisão, beneficiando de todas as atenuantes possíveis e imaginárias, vai para casa com pulseira electrónica e aguarda o julgamento na companhia dos pais que são magistrados, enquanto a autora de um crime punível com uma pena de um mês a 4 anos de prisão, com 16 anos, sem antecedentes criminais, fica em prisão preventiva sem qualquer contemplação.
Felizmente, a situação já foi parcialmente corrigida, mas isso não invalida o terror que nos inspira um sistema de justiça tão iníquo, em cujos tribunais prevalece mais o arbítrio das vontades pessoais dos juízes do que a certeza jurídica das leis da República.

Jacques Attali: uma ambição para 10 anos

Diogo Leite Campos


A primeira prioridade a longo prazo: garantir a educação dos nossos filhos da infantil à Universidade.
A'Commission pour la libération de la croissance française', presidida por Jacques Attali, publicou um projecto para a França intitulado ‘Une ambition pour 10 ans’. É um relatório de algumas centenas de páginas. Dada a sua qualidade, penso que merece mais uma referência, destacando a sua síntese inicial, pois não é possível dar conta de tudo neste pequeno espaço. Assinalam-se primeiro as grandes mudanças que estão a ter lugar no Mundo e que afectarão, em França, cada família e cada empresa. Devendo a França preservar a sua posição nestas mudanças.
Propõem-se seguidamente três exigências fundamentais que deverão ser seguidas por qualquer governo, seja qual for a orientação política, ‘independentemente de outras reformas que uma maioria pretenda aplicar segundo as suas escolhas políticas, para deixar amanhã, aos nossos filhos, a possibilidade de também eles fazerem livremente escolhas colectivas’.
As três exigências sociais são: uma exigência de verdade: afirmar as dificuldades e as vantagens; uma exigência de equidade: ‘a acção determinada e necessária que devem levar a cabo as gerações hoje no poder só poderá ter sucesso se for sentida por todos como legítima’. ‘Cada um deve, pois, ter o sentimento de que os esforços são repartidos equitativamente e que existem verdadeiras oportunidades de mobilidade social’; e uma exigência de legitimidade: é necessária ‘uma governação pública eficaz, responsabilidades claras dos actores públicos, acompanhamento em tempo real das reformas e uma avaliação da sua aplicação’. ‘Sem novas políticas para estimular o emprego e equilibrar as finanças públicas, o crescimento manter-se-á muito fraco’.
A conjunção do envelhecimento demográfico e do desequilíbrio das finanças públicas coloca a França em perigo de endividamento crescente e de perda de competitividade. A dívida pública do país pode ultrapassar largamente 100% do PIB em 2020. Concentrar-se-á assim uma parte das receitas no financiamento público, em prejuízo dos serviços públicos e tornando impossível qualquer retoma económica.
O crescimento económico francês reduzir-se-á ainda mais, implicando: ‘mais dívida, menos crescimento, menos emprego, mais injustiça, mais défice e mais dívida’.
É necessário um novo ciclo de crescimento reorientado, social e ecologicamente mais durável. Crescer mais; crescer de outro modo.
‘A França que queremos deve dar à juventude a prioridade em qualquer acção pública’. Pretende-se que a economia seja mais competitiva, a sociedade mais livre, mais confiante e mais segura.
‘A França pode e deve construir uma sociedade aberta aos inovadores, aos empresários, aos animadores da vida social, aos criativos, aos investidores’. A França, segundo a comissão presidida por Jacques Attali, deve construir uma sociedade mais justa e mais móvel, controlando o abandono escolar, facilitando a mobilidade social e recompensando o trabalho pelo sucesso.
Para alcançar estes objectivos, há que diminuir a dívida, para obviar ao drama da perda de soberania e diminuir o desemprego para ‘pôr fim ao escândalo do desemprego em massa e, em especial, dos jovens’.
Duas prioridades a longo prazo: ‘a educação e a gestão dos grandes sectores de crescimento, dos quais o meio ambiente, os recursos naturais e as grandes infra-estruturas’.
Não queremos transmitir às futuras gerações uma França esmagada sob uma montanha de dívidas e de reformas não financiadas.
Primeira urgência: não há crescimento sem diminuição da dívida, nem diminuição da dívida sem crescimento.
Recusa-se o fatalismo do desemprego em massa, que é um limite ao crescimento, uma injustiça e um desperdício.
Pretende-se uma sociedade de pleno emprego.
Deve dar-se uma ‘prioridade clara’ às economias de despesas. É possível reduzi-las sem degradar a qualidade do serviço prestado.
O programa de reequilíbrio das finanças públicas é ‘realista’: conduz só a menor progressão das despesas públicas totais; é equitativo: protege o poder de compra dos mais desfavorecidos e protege as gerações futuras; equilibrado: conserva totalmente a universalidade do Estado providência e partilha o peso dos esforços a realizar entre o Estado, as colectividades locais e a Segurança Social.
Passando algumas páginas (‘transferir uma parte dos encargos sociais para o IVA’, ‘desenvolvimento da concorrência’, ‘sistema fiscal mais eficaz e mais justo’), encontramos a segunda urgência: criar emprego e voltar a dar um futuro aos jovens.
Segue-se a primeira prioridade a longo prazo: garantir a educação dos nossos filhos da infantil à universidade. Levando em conta que ‘uma má escola primária é um obstáculo ao crescimento’.

Animar o circo e cortar no pão

Pedro Ivo Carvalho

Há os que trepam às árvores para resgatar cerejas, há os que bebem vinho carrascão e comem febras com o povo, há os que dançam com idosas vitaminadas ao som de orquestrações etnográficas, há os que põem batas e chapéus ridículos para se inteirarem das especificidades do país produtivo e há os que colam nos rostos infantis beijinhos fugidios com a mesma empatia com que se dirigem a uma multidão doutrinada a nacos de lombo.

Conscientemente - e isso é que é dramático -, a classe política portuguesa partiu para esta campanha com o mesmo espírito de outros anos, anos gordos de finanças, em que as dúvidas que nos assaltavam oscilavam entre investir os milhões de Bruxelas em formação profissional ou auto-estradas. O país mudou, mas para eles está na mesma.

Já nem falo da excessiva obsessão dos líderes partidários com a fasquia eleitoral (na verdade, aqui reside o cerne da sua missão: ter mais votos do que o adversário), mas da inadaptação das campanhas ao país que os rodeia. Não deixa de ser curioso que eles se arvorem em modernaços, usando (e bem) as redes sociais para fazer passar a mensagem, mas depois reduzam a sua estratégia a expedientes passadistas, como comícios onde só vai gente a quem é oferecida alguma coisa ou que depende, directa ou indirectamente, do partido em causa; arruadas estéreis para as televisões e banhos de gente que, à míngua de argumentário político, são exibidos como prova de força. As bandeiras substituem as ideias.

Durante duas semanas, a crise entrou em modo "pause". Já ninguém fala da troika, do FMI, de um pedido de resgate financeiro que esganou a classe média. Corrijo: há três dias, o ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, na Bolsa de Nova Iorque (??!!), lembrou aos comensais essa coisa chata chamada memorando de entendimento. Um rigoroso plano de obrigações que deambula pelas cabeças dos pagadores de impostos como um cutelo afiado.

Já não é a forma da campanha que me espanta - na verdade, os líderes e os partidos são os mesmos -, mas, sobretudo, a irresponsabilidade com que se promove o circo num momento em que Portugal se debate com um problema de pão.

A questão do euro é política

Francisco Sarsfield Cabral



O euro vale agora cerca de 1 dólar e 43 cêntimos. Quando nasceu valia 1,17 dólares. Depois baixou, gerando receios de não se aguentar, mas recuperou, chegando a quase um dólar e meio. Um câmbio demasiado alto para as exportações europeias, mas revelador de uma moeda que não é tão débil como se diz (é certo que as perspectivas de subida da taxa directora do BCE impulsionam a cotação do euro).

Há dias o Banco Mundial publicou um estudo onde se prevê que daqui a 15 anos o dólar já não será a única divisa hegemónica, tendo que partilhar essa posição com a moeda chinesa e o euro.
Dito isto, a verdade é que o euro está metido num sarilho. O problema imediato é a dívida soberana de alguns países. Os governantes gregos e portugueses e os banqueiros irlandeses são os principais responsáveis pela situação. Mas também há culpas da Comissão Europeia e do Ecofin, que fecharam os olhos aos défices orçamentais e externos desses países. Os próprios mercados, durante anos, quase não distinguiam entre as dívidas dos vários Estados do euro. Só a crise grega os acordou para as diferenças.
Os alemães, que relutantemente substituíram o marco pelo euro, receavam a indisciplina financeira da Itália. Por isso impuseram o Pacto de Estabilidade. Só que a própria Alemanha violou o Pacto, sem consequências. A disciplina do euro não funcionou. Por outro lado, consta do Tratado a proibição de resgatar um país da Zona Euro. Por isso, os juros dos empréstimos da UE são mais altos do que os do FMI: é que, se o crédito for concedido muito abaixo dos juros do mercado, o Tribunal Constitucional alemão poderá proibir a ajuda.
O resultado é, por um lado, uma enorme desorientação e uma longa hesitação dos dirigentes europeus, e em particular de A. Merkel, na resposta à crise da dívida soberana. E, por outro lado, essa resposta é (sobretudo no caso da Grécia) tão punitiva que não resolve, antes agrava, os problemas financeiros dos países que recebem a ajuda.
Ou seja, a arquitectura do euro tem falhas (contra mim falo, que sou defensor da moeda única). Delors insistia na necessidade de um ‘governo económico europeu’ para contrabalançar o governo monetário do BCE. Mas o que se avançou nesta área foi pouco, quase só para evitar derrapagens orçamentais e não para coordenar políticas económicas. Contra o que se esperava, o euro não foi um dinamizador da integração política europeia.
Com um orçamento comunitário que não chega a 1% do PIB da UE, não podem funcionar os ‘estabilizadores automáticos’ que existem nos Estados federais. Se, por hipótese, o Estado do Texas entrasse em recessão (por cair o preço do petróleo, por exemplo), automaticamente – isto é, sem necessidade de qualquer decisão política – os texanos passariam a receber mais dinheiro de Washington (subsídios de desemprego, etc.) e diminuiriam as receitas fiscais transferidas para a capital, pois os rendimentos das pessoas e das empresas do Texas seriam mais baixos. Nada disto existe na Zona Euro.
Poderá o euro subsistir apesar de aumentarem as divergências de crescimento económico entre os países da zona? Há a hipótese de a Zona Euro se limitar aos ‘bem comportados’, expulsando os outros, como Portugal (o que seria para estes uma tragédia económica). Além disso, o fim do euro tal como o conhecemos revelar-se-ia provavelmente fatal para manter o Mercado Único europeu e para toda a construção europeia.
No fundo, a questão é política. Estarão hoje os alemães dispostos a apostar no euro e na construção europeia, como apostou Kohl? Isso implicaria a RFA aceitar coisas que até agora tem recusado, como a UE emitir euro-obrigações ou permitir que o futuro Fundo de Estabilização Financeira compre dívida soberana. Ora, Berlim mostra-se cada vez menos solidária com os seus parceiros. Não apenas na Europa: recorde-se a abstenção alemã na resolução do Conselho de Segurança sobre a Líbia. E a opinião pública da RFA está contra ajudar os países periféricos. As perspectivas não são famosas.

A herança envenenada

Manuel Maria Carrilho

Pela primeira vez em Portugal, um primeiro-ministro eleito perdeu umas eleições legislativas. E isso aconteceu com o pior resultado que o PS teve nos últimos vinte anos. Sócrates despediu-se depressa, tinha preparado no teleponto um longo discurso em que, mais uma vez, procurou negar a verdade e fugir às evidências - sobretudo a de que deixa um país encurralado e à beira da ruína e um PS embalsamado e com os seus valores patrimoniais fundamentais muito abalados.

O que o discurso revelou - apesar do que dizia o teleponto - foi, por um lado, um Sócrates aterrorizado com o juízo da história e com o lugar que ela certamente lhe reserva, associado à bancarrota de 2011. E, por outro lado, a obsessão em condicionar o natural debate interno sobre as lições que há que tirar deste desaire, que se traduziu na perda, em seis anos, de um milhão de votos.

Tudo indica que a vida não vai ser fácil para o Partido Socialista, que fica agora à mercê de uma diabolização política que não vai tardar, em previsível resposta ao funambular optimismo dos últimos tempos. É que Sócrates deixa nos braços do PS uma herança envenenada, que é a de ter que "ser oposição" a um programa que ele próprio assinou. O socratismo corre, assim, o risco de se tornar numa verdadeira maldição para o PS.

Isso só não acontecerá se houver, desde já, lucidez e coragem para reconhecer que, com este julgamento dos portugueses, o tempo dos álibis acabou e se abre agora um tempo de debate e de balanço. Um tempo de debate, porque infelizmente a capacidade de ouvir, de pensar e de debater, que deve sempre acompanhar o exercício democrático do poder, foi um défice constante, e crescente, destes seis anos. E um tempo de balanço, porque só com efectivo espírito de responsabilidade, mas também com verdadeiro sentido patriótico, será possível reconquistar a credibilidade perdida.

Em suma, o PS precisa, antes do regresso ao combate político, de dar ao País um forte sinal político, mas também ético, feito de humildade e de verdade. Este vai ser, sem dúvida, o maior e o mais imediato desafio da sua próxima liderança.

Com a vitória da "coligação" PSD/CDS, o País entra agora numa nova fase. Se se trata de um novo ciclo político ou, apenas, de uma nova legislatura, só o tempo o dirá. Mas seria bom ter consciência que a crise em que Portugal tem vivido traduz, no essencial, um prolongado e difícil impasse, constituído por um cerrado nó de problemas que esta primeira década do século XXI, em particular nos últimos dois anos, agravou pesadamente.

E estes problemas são fundamentalmente três: o problema cultural, o problema económico e o problema financeiro. O primeiro decorre da falta de valores e de visão estratégica que permita pensar com consistência um rumo para o País, capaz de se afirmar ao mesmo tempo no quadro europeu, no âmbito lusófono e na globalização. É isso que pode dar aos portugueses uma ideia global de si próprios como sociedade e como nação, dotados de convicções e de projectos colectivos.

Só com este problema bem equacionado se poderão definir as audazes apostas que é preciso fazer para resolver o problema económico, de modo a conseguir essa articulação tão difícil, que é a de se atingir um crescimento significativo do País, aumentando o emprego para os portugueses, nomeadamente para as qualificadas novas gerações. E só com estas bases é que o problema financeiro virá a ter outra solução que não seja a dos habituais cortes atrás de cortes, amparada num constante aumento de pressão fiscal.

Incapazes de, até ao momento, equacionar e resolver este nó de problemas, acabámos nas mãos de uma troika que o fez à sua maneira, segundo um "memorando" cujo cumprimento nos condiciona em tudo no imediato, sem, contudo, garantir nada a prazo, como de resto a tragédia grega bem tem mostrado nesta últimas semanas.

Com um dado novo, que merece muita atenção: é que agora o que está em causa não é o incumprimento, por parte da Grécia, do plano estabelecido, mas - o que é bem diferente - o facto de a sua concretização não ter conduzido ao resultado previsto pela troika há um ano. O que só pode reforçar as mais sérias apreensões sobre o caminho e o destino da União Europeia.

É por isso que me parece uma funesta ilusão alimentar, como se tem feito, a ideia mais ou menos sebastiânica de que a saída da crise decorre automaticamente da aplicação do "plano de ajuda" externo estabelecido com o BCE, a CE e o FMI. Por mais incontornável que, dadas as circunstâncias, ele seja no imediato, este plano não dispensa - muito pelo contrário - uma exigente reflexão sobre o rumo do País e as suas possíveis opções estratégicas no médio e longo prazo.

Portugal precisa de se pensar. Portugal precisa sobretudo de se libertar do paradigma do betão e dos serviços, que tudo tem bloqueado com as suas mitomanias em carrossel. Portugal precisa de olhar para o seu imenso potencial em termos de recursos naturais, de indústrias criativas, de economia do mar - era esta, afinal, a troika para que devíamos olhar.

A política mais foleira


Manuel Tavares

Ana Gomes acha que Paulo Portas não tem condições para ser ministro e a pergunta que tal opinião sugere é esta: mas que tem o PS a ver com o próximo Governo que há-de ser coisa a tratar entre o PSD e o CDS ou estará Ana Gomes muito convenientemente a falar do alto da sua ciência política?
Pois, nem uma coisa nem outra: Ana Gomes pensa pura e simplesmente que Paulo Portas não deve ser ministro por lhe palpitar que o presidente do CDS não terá os comportamentos sociais mais recomendáveis.
José Sócrates foi vítima de idênticos abusos de opinião e passou boa parte da sua governação sujeito a essas imoralidades, de quem não se basta com a ética republicana. Ou seja: a lei.
Na política portuguesa, a confusão entre ética e moral - e ainda estética - tem gerado as maiores perversões, que alimentam muita da intriga palaciana de que vive Lisboa e já acabou com as carreiras políticas de muito boa gente.
Os termos em que Ana Gomes colocou esta sua espécie de objecção de consciência são intragáveis do ponto de vista das relações humanas e em particular da pedra filosofal da vida em liberdade: poder escolher em todas as opções da esfera pessoal desde que não limitemos a liberdade do outro.
Num país como o nosso, ataques a adversários partidários com base em apreciações comportamentais presumidas e que não relevam para a boa ou má administração dos bens públicos são ainda mais indecentes. Porque sendo nós tão poucos e tão vizinhos, dificilmente alguém escapará à interpelação de Jesus sobre a mulher adúltera que fariseus e escribas lhe trouxeram à presença para ser apedrejada.
Segundo reza esse capítulo 8.º do Evangelho de João, Jesus ergueu-se e lançou um desafio aos presentes: aquele que nunca pecou lance a primeira pedra. Um a um, todos abandonaram o monte das Oliveiras com o rabinho entre as pernas e então Jesus disse à mulher: uma vez que ninguém te condenou, não serei eu a fazê-lo.
É espantoso que alguém como Ana Gomes, que viveu a luta dos timorenses (muita dela baseada na fé dos Envangelho) esteja tão perdida nos labirintos mais foleiros da política.

O meu Portugal de todos os dias

Ferreira Fernandes

Portugal há muitos. Tantos povos de passagem e desde sempre, e tanto gosto pelo mar, mal seria se fosse único. Vou falar do meu Portugal. Há dias, em reportagem, estive num canto de Portugal, marginalizado por ser canto escondido. Assisti lá a discussões destas: o sendinês (Sendim fica a 30 km de Miranda do Douro) é uma língua própria ou uma variante do mirandês? Confesso, não é a minha praia. Comovi-me foi com a tanoaria vizinha. Só as mãos e o saber eram transmontanos, a matéria-prima para as aduelas vinha de longe, carvalho francês, e o produto, as barricas (modernas, trabalhadas a laser), iam para mais longe, Napa Valley, Califórnia. Ser canto e juntar lugares longínquos derrete-me. Um dia, na ilha de Maui, Havai, velhinhas cantaram-me modinhas portuguesas e, no fim, perguntaram o que queria dizer "destino". Já tinham esquecido o português dos seus avós (açorianos, madeirenses e cabo-verdianos, embora todas elas ao cantar guardassem a pronúncia mais forte, a micaelense), elas eram americanas e eram do meu Portugal. É este saudosista? Pelo contrário, é virado para frente, como cabe a quem andou tanto. Por estes dias fala-se de uma derrota de Portugal por perder importância na OTAN. Para outros seria grave, não têm alternativa. Mas nós, porque não pensar na OTAS? Na Organização do Tratado do Atlântico Sul? Este mar tem São Tomé e Cabo Verde a norte, Angola a leste e o Brasil a oeste. Repararam no que os une?

Os erros do PSD

Paulo Pereira de Almeida

Tal como afirmei na minha última crónica, preparar e executar reformas num sector de mais de 200 mil profissionais - como é o caso da segurança nacional - sem conhecer de perto o terreno é receita, como se viu em casos recentes, para o fracasso. Ora defendi que ouvir o terreno significa isso mesmo: escutar com humildade para - depois - decidir com propriedade.
Acontece que - a avaliar pelas notícias publicadas pelo DN a propósito da apresentação de um programa de reformas a alguns dos sindicatos da PSP e da PJ - o PSD cometeu alguns erros políticos. Estes erros políticos de palmatória levaram a uma primeira reacção de recusa na cooperação. Até um certo ponto, esta é compreensível: o PSD apresenta uma proposta de criação de uma Polícia Nacional que envolveria a fusão da PSP, PJ e SEF (Polícia de Segurança Pública, Polícia Judiciária e Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) através de uma figura, certamente respeitável, da GNR (Guarda Nacional Republicana). Ora - independentemente de alguma preparação técnica - existe um aspecto simbólico e de personalização que, numa área delicada e de soberania como a segurança interna, certamente que não poderá ser ignorada no futuro. Mas analisemos - ponto a ponto - três aspectos que me parecem determinantes para que se evitem erros na melhoria das condições de trabalho e na motivação dos profissionais da segurança nacional em Portugal: a cooperação do PSD com o CDS-PP; a escolha de líderes para o processo; e o envolvimento das pessoas no projecto.
Como se trata de três proposições que não são - antes pelo contrário - mutuamente exclusivas, vou falar de cada uma em separado, tendo sempre presente que a decisão sobre uma delas afecta as restantes. Quanto à primeira - a necessária boa cooperação com o CDS-PP, esta inicia-se no modelo de ministério: o PSD propunha a criação - aliás com lógica - de um Ministério da Justiça e da Administração Interna; se na distribuição de lugares o CDS-PP quiser repartir as pastas e ficarmos não com um mas sim com dois ministérios, esta repartição deve atender aos interesses do País e, nesse sentido, o lugar para a PJ deve ser amplamente discutido com as suas lideranças. Quanto à segunda proposição - a da escolha de líderes para o processo - é importante deixar claro que se para a pasta da Administração Interna regressarem antigos responsáveis da PSP - certamente respeitáveis -, isso correrá o risco de ser interpretado como uma tentativa de hegemonia da PSP em relação à GNR, PJ e SEF; será um mau começo. Por fim - e quanto ao envolvimento das pessoas no processo -, é claro que a posição do PSD diverge da posição do CDS-PP; na visão programática do PSD existem mudanças de fundo a operar, como sejam a da criação da Polícia Nacional e a da passagem da tutela dos bombeiros e das forças da protecção civil para um Ministério da Defesa. Por seu turno, o CDS-PP prefere um reforço das medidas de policiamento de proximidade e não parece disponível para alterações de fundo nas orgânicas. Como encontrar aqui um equilíbrio vai ser algo a que estaremos todos atentos no futuro.
Por último, uma palavra para os esquecidos desta reforma: serviços de informações, que deverão ser - espera-se - objecto de um debate por pessoas inteligentes, e guardas prisionais e seguranças privadas, dois grupos fragilizados e a precisar de uma orientação mais clara.

Ontem fui a Lisboa e vi o futuro

Jorge Fiel
Ontem fui a Lisboa e vi o futuro. Embarcado em Campanhã no Alfa 120, cheguei a Stª Apolónia por volta das 10.45 horas. E, apesar de ateu, dei graças a Deus por não ter caído na tentação de sair na Gare do Oriente quando li no painel informativo do cais do metro que uma avaria estava a interromper a circulação da Linha Vermelha.

Segui na Linha Azul até ao Marquês de Pombal, onde mudei para a Linha Amarela.

Confesso que senti algum desalento quando vi que as escadas rolantes ascendentes estavam avariadas. A mala estava pesada, as minhas pernas e fôlego já não são o que eram - e a estação de metro que serve a sede nacional do PS fica num buraco bem distante da superfície (pior talvez só a Baixa Chiado).

No início da tarde a coisa piorou. Eram 14.30h quando desci ao cais de embarque do metro no Rato e constatei que estava seriamente comprometido o meu objectivo de chegar a horas a uma entrevista marcada para as 15h, junto à Casa da Moeda (metro Saldanha), pois o sistema sonoro e painel electrónico avisavam que, devido a problemas de circulação na Linha Amarela, tínhamos de estar preparados para intervalos superiores a 15 minutos entre a chegada dos comboios.

Finalmente, em StªApolónia, onde apanhei o Alfa 127 das 17 h com destino ao Porto, fiquei a saber através do eficaz sistema informativo do Metro de Lisboa que a partir das 21.30h em todas as linhas os comboios teriam doravante apenas três composições.

O futuro que vi quando ontem fui a Lisboa foi o da lamentável degradação do serviço das empresas públicas de transportes.

O futuro que vi quando ontem fui a Lisboa foi o de que os utentes é que irão sofrer com os inevitáveis cortes nas transferências do Estado para empresas descapitalizadas e mal geridas.

Opassado que nunca percebi foi por que é que teve de vir a troika para finalmente irmos deixar de ser accionistas à força de uma TAP (a única companhia aérea europeia totalmente detida pelo Estado), onde o sindicato dos tripulantes tem lata de reivindicar o aumento de quatro para 12 das viagens de borla a que têm direito por ano, para amigos e familiares - e não aceita o corte de um elemento nas tripulações, apesar de mesmo assim elas ficarem mais numerosas do que as da Iberia.

Portugal não precisa de gente, como os tripulantes da TAP, que apenas sabe olhar para o seu umbigo e faz gala em exibir uma enorme falta de consideração pelos interesses dos passageiros e do país.

A nova resposta

António Vitorino

Apurados os resultados eleitorais, o voto na mudança de rumo do País não surpreende tanto pela ocorrência mas mais pela sua dimensão. Na generalidade dos países europeus, os partidos de governo têm registado derrotas mais ou menos pesadas, expressão de um descontentamento muito generalizado ligado à crise económica e financeira mas também decorrente de um crescente sentimento de dúvida e de insegurança sobre o devir colectivo.
No caso português, os beneficiários desta vontade de mudança foram os partidos alternantes dentro do sistema, contrastando com o crescente peso de forças populistas e nacionalistas que hoje já estão presentes ou condicionam de forma decisiva os governos de, pelo menos, oito países da União Europeia.
No passado domingo, os partidos das franjas do sistema conheceram sortes distintas. O CDS subiu, embora menos do que lhe auguravam as sondagens, fruto decerto, na recta final, da pressão do "voto útil" no PSD. No pólo oposto, o Bloco conheceu uma severa derrota, vendo-se reduzido em votos e em deputados para metade da representação que detinha na anterior legislatura. O PCP, por seu turno, regista de novo o comportamento do metrónomo, com oscilações mínimas dentro de uma faixa que o tornam o mais representativo de todos os partidos comunistas europeus.
A alternância deu-se reiterando uma tendência longa do nosso sistema democrático: o reforço destacado do partido vencedor, expressão clara da vontade do eleitorado em manifestar uma preferência pela estabilidade governativa. Embora desta feita o partido vencedor tenha ficado, tal como em 2009, distante da maioria absoluta dos mandatos.
A exigência do Presidente da República de se formar um governo com apoio maioritário foi assim ouvida pelos eleitores. Menos ouvido terá sido, contudo, o apelo ao voto, já que se registou um novo aumento da taxa de abstenção. De facto, mesmo descontando eventuais erros que ainda subsistam nos cadernos eleitorais, os quais, contudo, não serão nunca na ordem de grandeza que alguns comentadores assinalaram, e os novos eleitores, a verdade é que a trajectória da abstenção continua a ser um factor preocupante.
E se é verdade que a resposta ao aumento da abstenção não depende apenas do sistema eleitoral, cabe perguntar se estamos à espera que atinja os 50% para discutir seriamente a sua reforma de que se fala há tanto tempo e que não tem conhecido nenhum impulso sério nos últimos anos?
Com estas eleições inicia-se um novo ciclo político em que, depois de mais de 30 anos, se materializa o projecto de Sá Carneiro, a direita passando a dispor de um governo, uma maioria e um presidente. Estão assim reunidas todas as condições institucionais para a aplicação do seu programa político. O paradoxo é que o projecto de Sá Carneiro acaba por ver a luz do dia no momento em que o PSD foi sufragado na base do programa mais claramente de inspiração liberal que jamais foi apresentado pelo partido que fundou.
Por seu turno, à esquerda, a pesada derrota do PS permite avaliar melhor os limites do "voto útil" ou da clássica "disciplina republicana" num quadro político substancialmente diferente do último quartel do século passado.
O mesmo é dizer que o PS tem pela frente um problema sério que decorre da assimetria no funcionamento bipolarizado do sistema partidário, onde o valor da estabilidade governativa favorece mais a convergência à direita do que os entendimentos à esquerda.
Alguns poderão ser tentados a procurar uma resposta "à francesa": quando se passa à oposição, os partidos socialistas esquerdizam-se. Tal seria um grave erro e não apenas pela difícil situação económica e social que vive o nosso país. A resposta à questão central com que os socialistas estão confrontados prende-se mais com o facto de em toda a Europa os partidos de direita terem resistido melhor (e até beneficiado) da crise económica mais aguda do capitalismo, fruto dos excessos desreguladores dos teóricos neoliberais. Ora, a resposta terá de ser encontrada numa nova proposta que doseie a globalização com a preservação da coesão social.