terça-feira, julho 5

Os vira-casacas

Alberto Castro
Está nos livros: onde existe uma grande dependência do Estado, mudanças no poder trazem consigo mudanças na opinião de muitos. Não antes, mas depois ou, pelo menos, a partir do momento em que se torna óbvia a derrota da "situação", como se dizia antigamente. O povo crismou-os: "vira-casacas". Os mesmos que até aí aplaudiam, servilmente, o poder descobrem, subitamente, o seu engano. Coerentes na sua vocação de bajuladores, continuam a aplaudir o poder. O novo. Encontramo-los entre os empresários, grandes ou pequenos, os gestores, públicos ou privados, os comentadores. Por toda a parte. Representam o pior da espécie humana, se é legítimo atribuir-lhes essa pertença pois falta-lhes coluna vertebral. Governo que se deixe rodear por eles, lhes dê ouvidos ou se deslumbre com os encómios em que se especializaram, está a meio caminho do autismo. A outra metade será da responsabilidade dos que vêem a política como se de um jogo de futebol se tratasse. Em conjunto, actuam sobre a componente narcisista que há em quase todos os homens públicos. Falam-lhes da história e de como esta os verá. São piores do que as sereias o eram para Ulisses. Alguma dessa gente já apareceu, ou reapareceu, em força, nestas duas semanas.
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4. Mais receita é uma forma de combater o défice. Errada - Portugal já tem uma carga fiscal excessiva. Inevitável - no curto prazo, não é fácil cortar significativamente nas despesas. Palpita-me que não ficaremos por aqui, nas receitas, e anseio por saber o que se vai fazer do lado da despesa e, em especial, no que toca ao estímulo à competitividade e emprego. Só então se poderá fazer uma análise séria.

Há sempre tempo e dinheiro

Jorge Fiel
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Da mesma maneira, emagrecer o nosso Estado obeso não significa deixar de investir, o que nos atiraria para a situação ridicularizada na história do cavalo do espanhol estúpido - que ao abrir o estábulo e deparar com o animal feito cadáver desabafou: "Logo agora que se tinha habituado a não comer é que ele foi morrer...!".
Vêm estas ideias gerais (e estou em crer que consensuais) a propósito do que deve o novo Governo fazer pelo nosso país durante os nove trimestres consecutivos de recessão em que vamos ter de sobreviver, de acordo com as previsões do ministro das Finanças, que tem o ar e a fama de ser homem de boas contas.
Tempos excepcionais exigem políticos e políticas excepcionais. E ninguém duvidará de que 27 meses seguidos a destruir riqueza são um tempo de excepção, em que os governantes não se podem esconder atrás do biombo das desculpas da falta de tempo ou de dinheiro.
Há sempre tempo e há sempre dinheiro, por muito escassos que eles sejam - e infelizmente são-no.
A grande questão reside em escolher criteriosamente onde investir esses recursos escassos. E o investimento em transportes públicos movidos a energias limpas e não poluentes tem de estar na primeira linhas das prioridades.
E para emagrecer duravelmente um Estado como o português não basta reduzir o peso a eito, sem cuidar de reparar se estamos derreter cirurgicamente a gordura ou a ler boas noticias na balança conseguidos artificialmente à custa da perda de músculo.
Para curar o nosso Estado da obesidade mórbida de que padece, a administração pública tem de adoptar um estilo de vida mais saudável, dotando-se de elevados graus de flexibilidade e eficiência que só poderão atingidos aproximando a decisão dos cidadãos. Lisboa e o centralismo são a barriga que nos tolhe os movimentos e impedem Portugal de sair do buraco em que o meteram.

domingo, julho 3

Alguém viu por aí um governo liberal?

Alberto Gonçalves
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É verdade que entre as eleições e o anúncio surgiu um "inesperado" buraco de dois mil milhões na famosa consolidação orçamental, o que obrigava o Governo a escolher uma de duas hipóteses. Se fosse socialista, procederia ao roubo adicional dos contribuintes. Sendo liberal, no peculiar sentido que em Portugal se dá ao termo, procedeu ao roubo adicional dos contribuintes. Não ocorreu ao dr. Passos Coelho, porque por cá semelhantes excentricidades nunca ocorrem a ninguém, uma terceira hipótese, que consistiria em poupar os 800 milhões em vez de habilidosamente os saquear.
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Em suma, no que toca à redução do Estado "gordo" que o candidato Passos Coelho abominava, o primeiro-ministro Passos Coelho é, descontadas as extinções dos governadores civis (que a Constituição torna inútil) e dos directores-adjuntos da Segurança Social (consta que poupará um milhão de euros por ano), cauteloso ou omisso. Do lado da cautela, estão por exemplo as fundações, empresas e institutos públicos, cuja presuntiva e parcial eliminação, ao contrário do aumento da carga fiscal, carece de ponderação e só será revelada lá para Agosto. Do lado da omissão, está por exemplo a reforma da administração local, uma imposição da "troika" misteriosamente varrida dos desígnios governativos. Em qualquer dos casos, o dr. Passos Coelho jurou que não haverá despedimentos na função pública, o que atribui às medidas carácter decorativo.
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Todos os portugueses sabem que, excepto pelas costas, não se diz mal dos amigos e conhecidos. Felizmente, devo ter uma costela estrangeira e não me sinto obrigado à regra. Quando o novo secretário de Estado da Cultura, pessoa inteligente e óptima companhia, se estreia na função a prometer que o Acordo Ortográfico será "implementado" em 2012 nos "documentos oficiais e nas escolas" dado ser "um caminho sem retorno", eu gostaria de lembrar ao Francisco José Viegas que caminhos sem retorno também eram, ou são, o TGV, o aeroporto de Alcochete, a bancarrota, a gripe suína e o declínio do Belenenses. O trabalho de um governante consiste, suponho, em tentar contrariar as desgraças ditas inevitáveis. Aceitá-las de braços caídos tende um bocadinho para o fácil e talvez não justifique o salário.
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Anos de brasa

Daniel Amaral
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A única saída que resta está nas exportações. E aí, sim, a aposta deve ser muito forte. Mas 80% destas exportações dirigem-se à Zona euro, que está em crise; e os 20% restantes têm de concorrer com uma multiplicidade de países muito mais agressivos que nós. Tudo ponderado, não tenho dúvidas de que será possível ganhar aqui alguma vantagem, mas nunca ao ponto de compensar as duas quedas anteriores. A recessão já existe e vai manter-se.
A actual legislatura é para quatro anos e os dois primeiros vão ser decisivos. O que de bom ou de mau ocorrer neste período vai marcar o futuro de uma geração. Sejamos então realistas: no final destes dois anos, o PIB vai ser mais baixo e o desemprego vai ser mais alto do que são hoje. E a dívida pública também terá aumentado. É bom que os governantes tenham consciência disso: nessa altura, uma multidão inflamada vai atirar-lhes à cara com todas as promessas que fizerem e não cumprirem.

Pagar as mentiras

Rui Moreira
Confesso que quando ouvi o primeiro-ministro dizer que uma parte significativa do meu subsídio de Natal ia ser nacionalizado sob a forma de um imposto extraordinário, senti uma profunda revolta. Estou farto de ser roubado por um Estado voraz, que se apropria da riqueza que criamos, que não presta contas sérias, que é mau pagador, e que tem vícios intoleráveis de novo-riquismo.
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A todos nós, que fomos chamados a fazer um novo sacrifício, resta-nos esperar que esta seja o último pagamento por conta das mentiras que nos impingiram. Mas, em troca, temos o direito de exigir algum respeito e decoro por parte de quem voluntária ou inadvertidamente contribuiu para esse logro.