Jorge Fiel
O caso da doutora Dra é um das mais saborosas histórias do último fôlego da presença portuguesa em Macau.
Foi assim. Como de costume, mal desembarcavam no território, os quadros vindos de Lisboa recebiam logo um dossier, competentemente preparado pelo BNU, contendo a papelada para preencherem com os dados pessoais com vista à abertura da conta onda cairiam as patacas e à emissão do conveniente cartão de crédito.
Sucede que a trintona, que mais tarde seria conhecida por doutora Dra, receosa que o banco ignorasse a sua licenciatura em Direito, feita em Coimbra, fez questão de anteceder de um Dra o nome com que fora baptizada.
A jurista (que nem que me torturem revelarei que seria mais tarde ministra de Guterres) fez mal em desconfiar da eficiência dos serviços do BNU e pagou por isso. Doutora Dra Maria... foi o nome gravado no cartão de crédito e que passou a figurar no endereço da correspondência bancária que lhe era enviada para casa. E a comunidade local passou a referir-se-lhe como a doutora Dra (com o a acentuado).
Na generalidade, nós, os portugueses, pelamo-nos por ostentar títulos (sejam académicos ou nobiliárquicos) e sinais exteriores de riqueza.
Nestes particulares, tenho muito orgulho em que estes pecadilhos não constem do meu extenso rol de defeitos.
Apesar de contar com uma licenciatura no meu curriculum, jamais deixei que um dr. antecedesse o meu nome nos cartões de crédito e sempre desencorajei, logo à partida, qualquer tratamento por doutor.
E não andarei longe da verdade se vos confessar que a principal razão para nunca ter sido multado por excesso de velocidade reside no facto de jamais ter tido um carro com potência suficiente para ultrapassar esse limite.
Vem este episódio da doutora Dra e os dois exemplos da minha modéstia (que, admito, talvez seja uma sofisticada manifestação de vaidade) a propósito de ter captado uma série de sinais positivos emitidos pelo novo Governo.
Por três vezes Passos Coelho subiu uma data de pontos na minha consideração. A primeira quando soube que abdicara voluntariamente da reforma vitalícia a que tinha direito como deputado. A segunda quando decidiu continuar a viver em Massamá. A terceira quando escolheu voar em Económica até Bruxelas - não interessa se o Governo paga ou não a viagem. O que importa é o exemplo.
Também apreciei muito que no sábado, na sua primeira aparição pública, o ministro da Economia tivesse pedido que o tratassem por Álvaro, em vez do tratamento tradicional e bajulatório de "senhor ministro".
A admiração e o respeito não se conquistam com títulos académicos, vistosos carros pretos ou poltronas de 1.ª classe. Antes pelo contrário.
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