Rui Moreira
O fiasco da eleição falhada de Fernando Nobre foi um dos factos relevantes desta semana em que o novo Governo tomou posse. Andou mal o candidato, não só por logo nas primeiras declarações que fez após o convite ter desrespeitado o órgão de soberania a que queria presidir, mas também por não ter recuado, agora, quando toda a gente sabia que o seu nome iria ser chumbado. Fez dó ver uma pessoa que tem uma carreira cívica notável expor-se a este enxovalho, não cuidando, em tempo útil, de salvar a face e de evitar o embaraço ao líder do PSD. E, quando ouvi o discurso extraordinário de Assunção Esteves, que ficará na história do Parlamento, fiquei com a certeza de que a presidência fica muito bem entregue, o que é saudável para a nossa democracia. Além disso, e ao contrário do que alguns comentadores referiram, o que pude ouvir, por exemplo no fórum da TSF, mostra que os portugueses não consideram que se tenha tratado de um fracasso de Pedro Passos Coelho, que faz a diferença com um estilo de fazer política que só se pode saudar e a que não estamos habituados. Os grandes homens são os que assumem os seus compromissos, e foi isso que ele fez, sem calculismos, mesmo sabendo que a sua proposta iria ser recusada, e por culpas que não lhe podem ser assacadas.
A composição do Governo confirma que Passos Coelho disse ao que vem, e pretende cumprir com essas promessas. Assim se compreende, por exemplo, a escolha do ministro das Finanças, um independente com larga experiência e excelente reputação nas instituições europeias. E, naturalmente, houve logo quem dissesse que era um neo-liberal, entre muitos ministros sem experiência. Ora, depois de dezasseis anos em que o PS dominou a política nacional, com um curto interregno de três anos, dificilmente se poderia encontrar gente com experiência de governação. Se tivesse sido essa a escolha de Passos Coelho e de Paulo Portas, os mesmos críticos diriam que a brigada do reumático regressara ao poder.
Entretanto, vão-se ouvindo as vozes que não se conformam com o resultado das eleições e questionam a legitimidade social do Governo recém-empossado. É um discurso perigoso porque, nas democracias representativas, a legitimidade política expressa-se pelo voto. E foi o voto dos portugueses que impôs a mudança. A mera sugestão de que a vontade expressa nas urnas é ilegítima, ou tem menos legitimidade do que a dos movimentos contestatários, é preocupante. Até porque se sabe que este executivo deverá aplicar a receita da troika que foi objecto de um compromisso histórico que envolve o PS, e que apenas foi recusada por partidos que representam 15% do eleitorado. Mas, para além desse pormenor, há uma questão que não pode se esquecida. É que a ideia de que há uma supremacia da legitimidade social sobre a legitimidade democrática foi sempre utilizada pelas forças totalitárias que se opõe à democracia, e que contra ela conspiram, aproveitando a liberdade que lhes é concedida por esse sistema que, finalmente, pretendem destruir.
Numa entrevista ao jornal "I", Miguel Portas fez um diagnóstico sério e cândido sobre os problemas com que o Bloco de Esquerda está confrontado, depois do desastre eleitoral. Rejeitando os argumentos de Daniel de Oliveira, que propõe a realização de uma convenção extraordinária com um resultado previamente anunciado, e criticando Rui Tavares por ter abandonado o grupo parlamentar europeu por um pretexto irrelevante, confessa que existe um problema de credibilidade política do grupo quatro de fundadores que integrou, e defende que se devem afastar da liderança. Na medida em que ele já deu o exemplo, e que Fernando Rosas não foi eleito para o Parlamento, o que Portas defende é, de facto, o afastamento de Louçã e de Fazenda. Resta saber, agora, se esse processo evolutivo está ao alcance de Louçã ou se este pretende, como Rui Tavares sugere, resolver as divergências internas através de purgas sucessivas.
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