domingo, julho 3

Alguém viu por aí um governo liberal?

Alberto Gonçalves
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É verdade que entre as eleições e o anúncio surgiu um "inesperado" buraco de dois mil milhões na famosa consolidação orçamental, o que obrigava o Governo a escolher uma de duas hipóteses. Se fosse socialista, procederia ao roubo adicional dos contribuintes. Sendo liberal, no peculiar sentido que em Portugal se dá ao termo, procedeu ao roubo adicional dos contribuintes. Não ocorreu ao dr. Passos Coelho, porque por cá semelhantes excentricidades nunca ocorrem a ninguém, uma terceira hipótese, que consistiria em poupar os 800 milhões em vez de habilidosamente os saquear.
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Em suma, no que toca à redução do Estado "gordo" que o candidato Passos Coelho abominava, o primeiro-ministro Passos Coelho é, descontadas as extinções dos governadores civis (que a Constituição torna inútil) e dos directores-adjuntos da Segurança Social (consta que poupará um milhão de euros por ano), cauteloso ou omisso. Do lado da cautela, estão por exemplo as fundações, empresas e institutos públicos, cuja presuntiva e parcial eliminação, ao contrário do aumento da carga fiscal, carece de ponderação e só será revelada lá para Agosto. Do lado da omissão, está por exemplo a reforma da administração local, uma imposição da "troika" misteriosamente varrida dos desígnios governativos. Em qualquer dos casos, o dr. Passos Coelho jurou que não haverá despedimentos na função pública, o que atribui às medidas carácter decorativo.
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Todos os portugueses sabem que, excepto pelas costas, não se diz mal dos amigos e conhecidos. Felizmente, devo ter uma costela estrangeira e não me sinto obrigado à regra. Quando o novo secretário de Estado da Cultura, pessoa inteligente e óptima companhia, se estreia na função a prometer que o Acordo Ortográfico será "implementado" em 2012 nos "documentos oficiais e nas escolas" dado ser "um caminho sem retorno", eu gostaria de lembrar ao Francisco José Viegas que caminhos sem retorno também eram, ou são, o TGV, o aeroporto de Alcochete, a bancarrota, a gripe suína e o declínio do Belenenses. O trabalho de um governante consiste, suponho, em tentar contrariar as desgraças ditas inevitáveis. Aceitá-las de braços caídos tende um bocadinho para o fácil e talvez não justifique o salário.
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