quinta-feira, junho 23

[415.] Optimus

Eduardo Cintra Torres



Na nova campanha da Optimus os utilizadores de "smartphones" aparecem envoltos em chamas, numa metáfora visual exagerada.
É a "febre dos 'smartphones'" que chegará "a rapazes e a raparigas, a pequenos e a grandes, a altos e a baixos, a clássicos e a alternativos, a ponderados e a impulsivos, a racionais, a emocionais e a sonhadores". Em conclusão, diz o anúncio televisivo, "a febre dos 'smartphones' vai chegar a todos." 

O conceito de febre, epidemia que chegará a todos, serve de sinónimo, não a temperatura alta, mas a ânsia, frenesim, desejo. A ideia serve para ocultar, para alindar o carácter comercial da mensagem: a criação do impulso de compra dos "smartphones". 

Se a febre enquanto sinónimo da ânsia consumista funciona sobre rodas, já a sua transformação numa metáfora visual de chamas em volta de pessoas levanta algumas dúvidas. 
A febre ganha uma nova identidade do ponto de vista visual. Como não se vê, os publicitários transformaram-na em fogo. Esta febre é fogo que arde sem deixar de se ver. A rapariga que dá unidade à narrativa sai do comboio no Porto, envolve-se em chamas, "pega fogo" a um rapaz com quem se cruza e por aí adiante, a todos as pessoas; são todos jovens, porque nesta visão comercial do mundo, todos são jovens. 

As chamas e sua difusão levam ao exagero o conceito anterior de comunicação epidémica via Optimus através de bolhas alaranjadas. Apesar da cor quente, os publicitários não se contentaram com bolhas líquidas ou fluidas: precisaram de acender as emoções. A semelhança da metáfora com imolações no espaço público é desagradável para alguns espectadores, não só porque ocorrem no mundo real em situações extremas - como em Saigão (1963), Praga (1969) ou Tunísia (2011) - mas também porque o fogo é por natureza epidémico: pega-se. Dizemos "pegar fogo" porque transferimos a chama de um fósforo para outro material inflamável, como a madeira. Depois da imolação do vendedor ambulante na Tunísia, outros tentaram suicidar-se pelo fogo no espaço público, como em Marrocos. No anúncio, o fogo pega-se. 

O exagero das chamas nesta campanha - e a hipérbole é uma das características principais da publicidade - evidencia-se quando comparadas com o episódio em que os publicitários, consciente ou inconscientemente, se inspiraram: a descida do Espírito Santo sobre os Apóstolos na celebração de Pentecostes. Segundo os Actos dos Apóstolos (2-1,4), estavam eles reunidos e de repente veio do céu não só um vento veemente e impetuoso, como umas "línguas repartidas, como que de fogo", que "pousaram sobre eles". E "todos foram cheios de Espírito Santo, e começaram a falar noutras línguas". Quer dizer, o fogo significou a difusão "epidémica" do Cristianismo por todo o mundo. A imagem das línguas de fogo e o som das várias línguas deu ao milagre o carácter audiovisual do maravilhoso, mas ficou bem aquém do exagero da "imolação" da rapaziada da Optimus. É por isso que nas representações artísticas do Pentecostes, como na de El Greco (1597-1600), hoje no Museu do Prado, as línguas de fogo são bem pequenas e estão separados do corpo dos Apóstolos, ou nem sequer são representadas. 

Mas também é verdade que há representações actuais que mostram a pomba do Espírito Santo quase esturricada, tantas são as chamas que a envolvem, ou que resumem visualmente o episódio do Novo Testamento a uma simples fogueira. Também encontrei um papel de parede pentescostal para o computador que mais parece um cartaz de um filme hollywoodesco de catástrofes. São sinais de que não são só os publicitários que exageram: a sociedade contemporânea tende de facto para o espectáculo esdrúxulo. Tornam-se muito difíceis milagres como o de Pentecostes. Ficamos entregues aos efeitos especiais na publicidade e no cinema.

Sem comentários: