sexta-feira, junho 17

As boas contas fazem os bons amigos

Gonçalo Pascoal


Nesta semana Portugal procedeu ao reembolso, e pagamento de juros, de uma fracção significativa do total dos vencimentos previstos de Obrigações do Tesouro para este ano.
Para tal, terá sido instrumental o recebimento das primeiras tranches dos empréstimos negociados com a UE/FMI, totalizando, até ao momento, cerca de 12,6 mil milhões de euros (aprox. 7,5% do PIB, excluindo 3,6 mil milhões de euros a receber dentro de uma semana). Diversos comentadores têm feito referência às condições pouco favoráveis destes empréstimos, inadequadas para um país em estado de necessidade e incoerentes com o propósito de estabilização financeira a prazo, designadamente quando confrontadas com as condições dos empréstimos do FMI. Pretende-se, com esta breve nota, contribuir para uma melhor avaliação do tema. 

Em primeiro lugar cabe dizer que o programa prevê desembolsos para Portugal de três proveniências distintas, cabendo a cada uma igual montante de 26 mil milhões de euros a entregar faseadamente até 2014. São elas: da Parte da UE, o Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira (MEEF) e a Facilidade Europeia de Estabilização Financeira (FEEF); da parte do FMI, a Facilidade de Fundos Alargada (FFA). Significa, por exemplo, que fará mais sentido comparar os termos e condições negociados por Portugal com os termos negociados pela Irlanda do que com a Grécia, uma vez que os financiamentos deste país ocorreram ao abrigo de programas de financiamento distintos. Em segundo lugar, diferentes proveniências podem significar diferentes condições. O que de facto acontece. Em Abril/Maio, as taxas de juro referidas para os diferentes empréstimos foram de 3,3% a 4,3%%, para no fundos do FMI, e de 5,5% a 6,0%, para os fundos da UE, dependendo de condições de mercado. Até ao momento, a UE disponibilizou a Portugal 6,5 mil milhões de euros de duas emissões de dívida em mercado realizadas ao abrigo do MEEF, com uma taxa de juro fixa para Portugal de 5,0% a 5 anos e de 5,7% a 10 anos. O FMI procedeu ao desembolso de 6,1 mil milhões com uma taxa de juro estimada de cerca de 3,4%. Uma diferença peculiar tendo em conta o grau de compromisso político diferente das entidades envolvidas. Porém, a principal razão para esta diferença resulta da utilização de moedas, indexantes e prazos distintos para os empréstimos. Uma comparação correcta exige uma harmonização destes valores. Nos empréstimos europeus, o custo final para o estado membro resulta das condições obtidas pela UE nas emissões de dívida em mercado acrescidas de um spread. No caso do MEEF, o spread negociado para Portugal foi de 2,15 p.p., no caso do FEEF foi de 2,08 p.p. mas, acrescem a este último, custos de estruturação da operação que decorrem dos requisitos para a obtenção de uma notação de rating de muito boa qualidade ("AAA"). A complexidade de cálculo destes custos de estruturação extravasa os objectivos desta nota. Simplifiquemos tomando como um valor em redor de 0,5 a 0.7 p.p. No seu conjunto, estes valores implicariam um spread médio na ordem de 2,3 a 2,5p.p. para os fundos provenientes da UE. No caso dos empréstimos do FMI, o serviço da dívida está indexado a uma taxa de juro de curto prazo, variável, e denominada em Direitos de Saque Especiais (DSE), que é a moeda do FMI. Os DSE resultam de um cabaz composto por quatro moedas com pesos diferentes: euros, dólares norte americanos, ienes e libras esterlinas. Actualmente, a taxa de juro dos DSE é de 0,56%, é actualizada numa base semanal e resulta da média ponderada das taxas de juro a 3 meses de Bilhetes do Tesouro, ou similar, destas moedas. Donde, tal como no caso dos empréstimos indexados à taxa de juro Euribor, o serviço da dívida é variável ao longo do prazo do empréstimo. Tendo em conta que as taxas de juro de curto prazo se situam em mínimos históricos, o custo destes fundos poderá aumentar nos próximos anos, conforme indiciam as cotações nos mercados a prazo, mas de resultado incerto. Acresce a esta taxa base um spread, por escalões, em função dos montantes sacados relativamente à quota do país no orçamento do FMI: 1 p.p. para utilizações até 300% da quota e 3 p.p. para utilizações superiores. Com os desembolsos efectuados, Portugal já se encontra sujeito ao spread mais elevado. São ainda cobrados 0,5 p.p. de comissão de utilização. Tudo somado, e à medida que forem utilizados recursos adicionais do FMI, o spread médio aproximar-se-á de 3,2 p.p.. (3,0 se ajustarmos à diferença entre bilhetes de tesouro europeus e taxas Euribor de prazo idêntico). Este exercício, muito simplificado, de harmonização de dados permite verificar que: (i) face à Irlanda, país que recorreu ao mesmo tipo de ajuda externa, os spreads aplicados a Portugal são ligeiramente inferiores no caso dos fundos europeus (2,15 p.p. e 2,08 p.p. contra, 2,93 e 2,47 para a Irlanda,) e idênticos no caso dos fundos provenientes do FMI; (ii) que harmonizando em termos de prazos e de moeda, as conclusões sobre as condições relativas dos empréstimos do FMI face aos empréstimos europeus poderão diferir das percepções iniciais; (iii) que, independentemente da proveniência, estas taxas de juro são significativamente inferiores às actualmente praticadas no mercado secundário para a dívida pública de médio prazo portuguesa e portanto têm um elevado valor intrínseco. Todas estas considerações de relatividade não resolvem, porém, o problema do valor absoluto do juro cobrado a Portugal, que, situando-se a médio prazo entre os 5-6%, torna-se pesado para a sustentabilidade da dívida. Conforme mencionado pelo FMI, quando cita o critério da sustentabilidade da dívida para justificar a concessão deste apoio excepcional a Portugal,"(...) é difícil sustentar de forma categórica que exista uma elevada probabilidade de sustentabilidade da dívida a prazo. O apoio do Fundo justifica-se, a este nível, pelos elevados riscos sistémicos internacionais associados (...)". Se, no caso do FMI, o potencial de negociação das condições é escasso, porque se aplicam condições-padrão, no caso da UE poderá existir espaço para uma revisão, tendo em conta uma natureza mais política de todo o processo. O argumento do risco sistémico é apelativo no actual contexto de tensões europeias de par com a percepção de que um prémio de risco inferior potenciaria significativamente a probabilidade de sucesso. Fora estes argumentos, é provável que tenhamos de aguardar por uma decisão para a Irlanda, com ligeiro avanço no programa de ajustamento e com condições mais adversas, ou por uma mudança de vontades resultado, eventual, de progressos a curto prazo ou da adopção da nossa parte de regras/medidas/instituições que beneficiem de credibilidade acrescida no exterior. 

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