quinta-feira, junho 23

A desgraça do estado de graça

Paulo Baldaia


O maior estado de graça de que me recordo na Democracia portuguesa aconteceu com José Sócrates. Durou meses, atrás de meses, e deixou Marques Mendes a falar sozinho quando dizia que tudo soava a propaganda. Quando toda a gente começou a alinhar com Marques Mendes já ele tinha abandonado a política activa. Já ninguém podia com Sócrates, mas não houve um único dos grandes elogiadores do estado de graça que tenha feito mea culpa pelo que viram direito e que estava afinal torto.
Vamos no mesmo caminho. Pedro Passos Coelho ganha mesmo quando perde. Ganha por ter um governo jovem e fresco, mesmo onde há demasiado de risco e terceiras ou quartas escolhas. Ganha porque manteve a palavra na derrota anunciada de Fernando Nobre. Ganha a seguir porque Assunção Esteves foi eleita com mais de dois terços de votos, mesmo que a maioria dos deputados e analistas políticos não veja na constitucionalista qualidades suficientes para ser a segunda figura do Estado. Ganha quando manda os governadores civis socialistas manterem-se no lugar, mesmo que horas depois eles se demitam.
O desgraçado estado de graça faz dos analistas políticos, a maioria dos analistas políticos, gente que parece ter perdido a capacidade de análise. Tudo o que o governo faz é bem feito. Isto não aproveita ao país, nem aproveita, ao menos, aos próprios partidos que sustentam o Executivo. Há medo de remar contra a maré, medo de ser conotado com a oposição, medo de serem vistos como velhos do Restelo. E, com tanto medo, perde-se a oportunidade de começar corrigir de inicio o que tem de ser corrigido. E todos sabemos que o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita.
Cá estaremos para ver como se comportam os elogiadores na hora em que acabar o estado de graça. Pode ser que nessa altura, as críticas sejam tão desajustadas como a maioria dos elogios que agora se fazem. Pode ser que a maioria dos críticos estejam nessa altura a comprar apenas as dores das corporações. Será bom sinal, será sinal de que o Executivo estará a governar em benefício do bem comum, contra os interesses instalados.
Director da TSF

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