sábado, junho 18

O direito de ver

João Adelino Faria

A cena tem tanto de horrível como de humano. Um homem bebe devagar o líquido, bebe com a tranquilidade de um gesto que, no entanto, nesse dia particular é tudo menos banal. Depois de beber adormece ao lado da mulher, que lhe faz festas na mão. Peter Smedley – é o nome deste homem – engoliu veneno e morreu por vontade própria, pondo fim ao sofrimento de uma doença que o incapacitava sem remédio. O último instante de Peter foi filmado e transformado num documentário por Terry Pratchett, também ele doente com Alzheimer, e que prepara (exorciza?) assim a própria morte antes que a doença o domine também a ele. As imagens passaram esta semana na BBC e estão a causar indignação e revolta, além de uma polémica que já alastrou até à administração da televisão pública britânica. Há quem entenda que este assunto – a eutanásia – não pode ser exibido desta maneira num canal de serviço público.Estranho comportamento.Todos os dias, no mesmo canal, são mostradas reportagens de violentos bombardeamentos na Líbia, violações dos direitos humanos ou crianças a morrer à fome. No entanto, em nenhum destes casos há ou jamais houve qualquer contestação. Pelo contrário, estas reportagens são elogiadas como sendo exemplos de serviço público a seguir. Devo dizer que não tenho opinião formada sobre a eutanásia. Não é sobre isso que estou a escrever. Não consigo decidir e nem quero imaginar como será ter de fazer uma escolha tão impensável como a que Peter Smedley fez e tantos outros antes dele também fizeram. O que defendo, sim, é o direito a informar de forma correcta e eticamente irrepreensível.Foi por acreditar neste tipo de liberdade de imprensa que quis ser jornalista. Porque creio que o dever é dar a informação necessária para que outros – os espectadores – possam decidir e avaliar melhor. Neste e noutros assuntos. Esconder não é e nunca será o caminho, é apenas o reflexo (de medo) dos que fogem da realidade. Os que agora criticam a BBC dizem que ninguém é Deus para decidir quando ou como devemos pôr fim à nossa própria vida e por isso não devem ser mostradas estas imagens. Com a mesma argumentação pergunto: porque será que não aplicam esta regra a eles próprios? Que autoridade têm estas pessoas que protestam agora para dizer precisamente o que podemos ou não podemos, todos nós, ver ou mostrar na televisão? E já agora para quem não quiser assistir…há sempre um botão no comando que desliga o aparelho. Chama-se a isto liberdade de escolha.

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