sábado, junho 18

Um governo que se estranha e que depois se entranha

António Costa -  Económico


O recém-conhecido governo de coligação estranha-se, mas, depois, entranha-se.Perante as expectativas geradas os últimos dias em torno de um conjunto de nomes e personalidades que poderiam integrar o novo executivo, a lista final e oficial do novo Governo é surpreendente e fica aquém do esperado. Não pelas competências técnicas, mas pela experiência política, e porque não apareciam todos os dias nas televisões.Todos os ministros são importantes, mas há uns mais importantes do que outros. As pastas das Finanças e da Economia são isso mesmo, as mais importantes, porque Portugal vive, hoje, uma situação de protectorado e ‘à conta’ de um empréstimo de 78 mil milhões de euros que traz, anexado, um plano de austeridade e crescimento duro, exigente, ambicioso, difícil e, mais do que tudo isso, obrigatório.Vítor Gaspar, o novo ministro de Estado e das Finanças, e Álvaro Santos Pereira, ‘super-ministro’ da Economia, não foram as primeiras escolhas. Vítor Bento, Eduardo Catroga e Carlos Costa estiveram em cima da mesa e foram até convidados a integrar o novo executivo. Às recusas, Pedro Passos Coelho deu uma resposta, na minha perspectiva, positiva: mudou o perfil dos ministros que procurava para estas duas pastas.Os dois ministros têm um défice de experiência política, que vai ter de ser compensado com a presença e a ‘protecção’ do primeiro-ministro e do ministro dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas. O novo Governo vai ter de executar, muito rapidamente, um plano de choque nas finanças e na economia portuguesa, isso trará, necessariamente, novas exigências de negociação politica, quer no interior do Governo, quer no parlamento, quer, finalmente, com a própria sociedade, nomeadamente em sede de concertação social. Haverá, seguramente, um agravamento da conflitualidade social sem paralelo na nossa história recente e isso torna evidente a exigência de habilidade e tacto político destes dois ministros.Será este, talvez, a maior vulnerabilidade de Vítor Gaspar e Álvaro Santos Pereira. Mas a experiência política está longe de ser uma condição essencial para garantir um bom consulado, pois basta ver o trabalho de Teixeira dos Santos e Vieira da Silva, duas personalidades a quem não faltava experiência política...Mas os dois novos ministros têm um excedente (e ainda bem) de competências técnicas, são dos melhores entre os melhores, como prometeu Passos Coelho. Só quem não conhece o seu percurso, sobretudo internacional, pode ter dúvidas sobre as capacidades e condições – dos dois – para cumprirem o desafio que têm pela frente.Fica claro, o País não mudou apenas de Governo, o próprio Governo mudou, a geração que vai para o novo executivo é também outro, tem outra visão do País. Pedro Passos Coelho é um novo primeiro-ministro e um primeiro-ministro novo. E alguns dos ministros, como Álvaro Santos Pereira, já nasceram no início da década de 70 e são por isso filhos da revolução dos cravos. É uma mudança de poder geracional muito relevante, e útil, quando todos querem que Portugal mude.Vítor Gaspar e Álvaro Santos Pereira são dois ‘estrangeirados’, isto é, passaram uma parte muito relevante da sua vida profissional fora do Portugal, têm uma visão do mundo e experiência e network internacional. Têm de fazer uma aprendizagem rápida e acelerada do que é hoje Portugal, na máquina do Estado, na função pública, nas empresas. Mas quando o que aí vem exige independência face aos interesses instalados, quando o programa do novo Governo – e o que exige o acordo com a ‘troika’ – vai provocar tensões das corporações, a independência dos dois ministros é um activo valioso.Quer Vítor Gaspar, quer Álvaro Santos Pereira têm reflexão produzida e publicada sobre Portugal, as suas fragilidades, os seus defeitos e virtudes, sobre o futuro. Qualquer português pode rapidamente perceber o que pensam os dois, portanto, são desconhecidos na televisão, mas a sua reflexão não.Vítor Gaspar, desde Fevereiro de 2010 consultor do governador do Banco de Portugal, anda nos corredores das instituições internacionais como o BCE e a Comissão Europeia como em casa, é um defensor acérrimo da sustentabilidade das contas públicas, mas tem preocupações com os seus efeitos na economia. Álvaro Santos Pereira, professor em Vancouver, no Canadá, escreveu há três meses o livro ‘Portugal na hora da verdade’, edição Gradiva. E está lá tudo, o que vai fazer, como ministro da Economia e do Emprego.Serem a primeira, a segunda ou a terceira escolha é irrelevante. Relevante é o que são e o que vão fazer. São competentes, e, mesmo para os mais cépticos, merecem o benefício da dúvida.Pedro Passos Coelho inovou na escolha das pessoas, mas também na orgânica. Vítor Gaspar é o número dois na hierarquia do Governo, e Álvaro Santos Pereira tem tudo o que é economia, alem dos fundos comunitários. Finalmente, o primeiro-ministro indigitado criou a função do secretário de Estado Adjunto para acompanhar a execução do acordo assinado com a ‘troika’, que vai ser desempenhada por Carlos Moedas, também da nova geração, também ‘estrangeirado’, também competente.Agora, não têm tempo para se sentar. Ao trabalho.

Sem comentários: