domingo, junho 19

O fogo grego


Rui Moreira

Confrontado com a ira popular e acusado de submissão às exigências externas, o Governo grego não tem condições para impor o novo e draconiano pacote de austeridade necessário para satisfazer as exigências do FMI. O fracasso das negociações para a formação de um governo de unidade nacional era previsível, e a autoridade do estado democrático está posta em causa. A Grécia sempre foi palco de greves gerais e de manifestações mais ou menos violentas, mas aquilo a que se está a assistir em Atenas tem contornos muito diferentes e lembra o que se tem visto do outro lado do Mediterrâneo - no Egipto, Tunísia e Síria - e que não se esperava que pudesse ter, como palco, uma democracia ocidental, e muito menos um membro da União Europeia e da sua união monetária. É certo que o sistema político-partidário grego e os seus actores tradicionais estão desacreditados por anos de desgovernação que mina a autoridade do Estado, mas há uma parte significativa da população que não está disponível para fazer os sacrifícios que lhe são impostos a troco da ajuda financeira, porque depois do fracasso do último pacote, não acredita que esse tratamento de choque possa resolver o problema.
Existe, por isso, um risco iminente de bancarrota se o país recusar as reformas que lhe são impostas. E, numa situação dessas, a Grécia não terá recursos próprios disponíveis nem capacidade de financiamento externo para garantir o normal funcionamento do Estado e da economia, o que resultará no colapso económico e no caos político e social. Ora, a história dos anos 20 e 30 do século passado na Europa ensina--nos que depois da crise económica, e se a classe política das democracias entra em descrédito, o povo procura alternativas autoritárias, nos extremos não democráticos do espectro político.
Torna-se, assim, imperioso que a Europa encontre uma forma de resolver o problema grego. Por um lado, porque a questão financeira está a infectar outros países, que já estão a ser afectados pelo efeito de contágio, como é o caso de Portugal e também de Espanha, que ainda há poucos dias parecia estar a salvo desta crise, e transformou-se numa ameaça letal ao Euro. Por outro lado, há razões de ordem política que justificam uma intervenção decidida e determinada, porque o União Europeia não pode correr o risco de ver os países periféricos da Europa naufragarem na insustentabilidade.
É à luz destas realidades e destas ameaças que o novo Governo irá tomar posse. Será necessário fazer, em muito pouco tempo e sem qualquer amortecedor, as reformas que foram adiadas durante as três últimas décadas, e será preciso mobilizar os portugueses para acreditarem que esses sacrifícios têm mérito e terão consequências positivas a médio prazo, sob pena de se abrir uma contestação social que poderia levar o país ao cenário caótico e de sublevação a que se assiste hoje na Grécia. E, numa altura em que o PS escolhe a sua nova liderança, é bom que os seus responsáveis compreendam, por patriotismo e por sentido da responsabilidade que partilham, que terão de saber fazer uma oposição responsável, propondo alternativas exequíveis e contribuindo para o sempre desejável debate de ideias, mas participando nas reformas essenciais ao pleno cumprimento dos compromissos internacionais do país. O grande teste surgirá já nas próximas semanas, porque algumas das medidas do memorando de entendimento assinado com a troika exigirão, por razões de ordem constitucional, uma maioria qualificada no Parlamento.
Mesmo que todos sejamos competentes e que aceitemos partilhar os sacrifícios, mesmo que consigamos cumprir com o compromisso assumido com a troika, poderemos ainda assim ser arrastados pela crise europeia. Mas, infelizmente, não nos resta outra alternativa do que fazer o nosso trabalho de casa e acreditar que os líderes das grandes potências europeias se decidam por actuar e por defender a moeda única e a coesão europeia, antes que seja tarde de mais.

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