Pedro Bacelar de Vasconcelos
A mesma Constituição que só autoriza o presidente a demitir o Governo "para salvaguardar o regular funcionamento das instituições democráticas" não põe qualquer limite substancial ao poder que lhe atribui para dissolver a Assembleia da República e convocar eleições legislativas antecipadas. Por este aparente paradoxo, armadilha fatal para os estudantes de Direito menos aplicados, é mais fácil convocar eleições do que demitir o Governo, embora este caia também no caso de dissolução. Para dizer que estas eleições não eram inevitáveis nem convenientes, até que se demonstrasse o contrário. A sua inevitabilidade começou a esboçar-se com a tomada de posse de um governo minoritário em 2009 e foi crescendo até às eleições presidenciais de Janeiro de 2011. Em Março, com a rejeição do IV Plano de Estabilidade e Crescimento, o reconhecimento da sua conveniência foi-se tornando consensual.
Apesar dos apelos veementes de Mário Soares, nem os partidos nem o presidente quiseram procurar entendimentos que evitassem os custos da antecipação das eleições e dos inerentes quatro meses de governos de gestão que se prolongam até à aprovação parlamentar do programa do novo Governo, o que ainda aguardamos para Julho. Os "mercados", com a sua indiscutida omnisciência, logo mostraram saber interpretar estes sinais. Entretanto, o Governo novo já está quase completo e o seu sucesso tornou-se uma compulsiva esperança nacional, dure quanto durar o ciclo político agora inaugurado. Há que perscrutar os sinais que a possam confirmar.
O primeiro sinal foi a eleição de Assunção Esteves para a Presidência da Assembleia da República. Desde logo, pela importância simbólica de ser a primeira mulher a presidir à mais alta instância da representação democrática e por não lhe faltarem qualidades nem experiência para o cargo. Saiu também reforçada a dignidade da instituição parlamentar e, tendo a sua escolha recolhido apoios transversais a todas as bancadas, credibilzou-se também a dupla dimensão do Parlamento, de fazer leis e de fiscalizar a acção governativa. Por fim, a sua eleição à primeira tentativa com mais oitenta e um votos que o candidato antecedente fez esquecer a derrota da desastrada opção da véspera.
O segundo sinal foi o anúncio de que não haverá nomeação de novos governadores civis. Esta é uma decisão coerente com o compromisso assumido na campanha eleitoral de extinguir finalmente esta inútil excrescência da nossa organização político-administrativa. Porém, a Constituição, no capítulo das "disposições finais e transitórias", associa a extinção dos distritos à "instituição concreta" das regiões administrativas, o que reclama uma cirurgia ligeira em sede de revisão constitucional. Os sucessivos adiamentos desta promessa constitucional explicam a sobreviência anómala dos governadores civis e a persistência do distrito como círculo eleitoral, para o apuramento e a conversão de votos em mandatos.
Por isso, e para que este sinal não se revele um mero afloramento demagógico, é absolutamente necessário proceder a uma redistribuição bem ponderada das competências actualmente confiadas aos governos civis, a entidades e organismos já existentes. Os principais beneficiários desses poderes deverão ser os municípios e as comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), por forma a consolidar o Poder Local e a promover a descentralização administrativa, valorizando o planeamento, a racionalidade e a economia de recursos. Tudo isso impõe uma cuidadosa reforma legislativa que consolide a escala regional como nível intermédio entre a Administração Central e Local, e que reforce o papel das actuais CCDR, essenciais à correcção das assimetrias de desenvolvimento que não pararam até hoje de se agravar.
Enfim, o Governo já voa no espaço aéreo europeu. Em turística. Ficou lavrado o precedente de um rigoroso escrutínio e transparência a que o Governo, espontaneamente, se pretende submeter. O que, vivamente, se saúda!
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