sábado, junho 18

Vencer a hipocrisia

Carvalho da Silva


Nesta semana participei, em Genève, como delegado dos trabalhadores portugueses por decorrência da função de secretário-geral da CGTP-IN, na 100.ª Sessão da Conferência Internacional do Trabalho (OIT). O director-geral, Juan Somavia, apresentou um importante relatório intitulado "Uma nova era de justiça social". Aí é feita uma análise crítica a muitos dos descalabros das políticas que vêm sendo seguidas pelo Mundo e, acima de tudo, encontra-se expresso um manancial de reflexão e propostas concretas, com que se podem construir caminhos alternativos.
Ouvi dezenas de intervenções de delegados (dos governos, dos patrões, dos trabalhadores), assisti a debates em que participaram ex-governantes, responsáveis de instituições em geral ligadas aos problemas do "desenvolvimento", escutei destacados dirigentes políticos convidados para esta conferência, designadamente, o presidente da Indonésia, Susilo Yudhoyono, a chanceler alemã, Sr.ª Merkel, e o primeiro-ministro da Rússia, Sr. Putin - o primeiro primeiro-ministro russo presente numa conferência da OIT.
Nos seus discursos, eles reconhecem que há demasiadas injustiças, pobreza e desemprego e que é preciso diálogo social e novos caminhos para o desenvolvimento das sociedades. O Sr. Putin, que procurou identificar-se na análise crítica do relatório, afirmou que "falta um modelo económico eficaz com o ser humano no centro", assumindo que "o trabalho não é uma mercadoria". Defendeu "trabalho digno", "salários justos", "apoio aos mais pobres", "favorecimento das produções nacionais para responder às necessidades das pessoas", no enquadramento do objectivo de "a Rússia ser, em 10 anos, uma das cinco maiores economias do Mundo".
São importantes estas afirmações, mas da sua expressão à efectivação de políticas que as concretizem vai, na Rússia como na maior parte dos países, uma enorme diferença, que exige muita luta dos trabalhadores e dos povos. A Sr.ª Merkel e ministros de inúmeros governos apresentaram, hipocritamente, as políticas que estão seguindo como correctas e justas. Sabemos que, na maior parte dos casos, isso é pura mentira.
Foi triste ouvir uma ministra grega, acossada por uma pergunta incómoda, quase pedir desculpa pelos "erros" da sua governação. Nos corredores constatava que o próprio governo grego reconhece, em privado, que pela Banca se evaporaram do país mais de 40 mil milhões de euros desde o início da fase dura da "crise".
Juan Somavia disse, com grande a-propósito, que as pessoas estão "descrentes e decepcionadas" porque percebem que as grandes instituições financeiras são consideradas pelo poder político como "demasiado fortes para quebrar", enquanto a maior parte das pessoas são consideradas, por esse mesmo poder, "demasiado pequenas para terem importância". Quando conseguiremos, na Grécia ou em Portugal, ter governos que invertam estas importâncias?
Porquê a OIT não acompanhou, em pé de igualdade com o FMI, a elaboração do chamado programa de apoio a Portugal? A resposta está na denúncia de Somavia!
Em Portugal, neste tempo de cada vez maiores sacrifícios aos trabalhadores e ao povo, quão importante seria se o novo Governo, em vez de adoptar as receitas da troika, analisasse o conteúdo daquele relatório e seguisse as suas recomendações e propostas!
No relatório já citado, afirma-se: "está emergindo numa nova era mundial" e "a experiência histórica mostra-nos que as novas eras começam com o colapso dos dogmas e das estruturas de poder dominantes", mas "as alternativas não nos vêm oferecidas como um produto acabado. Há que construí-las". Essa construção tem de ser feita com a participação dos trabalhadores e dos povos, criando e valorizando o emprego.
Como afirmei na conferência, é necessário dizer não a políticas de dominação estrangeira, à imposição dos interesses do poder financeiro e económico, à humilhação dos trabalhadores e do povo. É preciso produzir bens e serviços úteis ao desenvolvimento da sociedade e compromissos de um futuro melhor para os jovens em vez de os maltratar. Pelo futuro, é necessário vencer a hipocrisia.

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