sábado, junho 11

E agora, Esquerda?

Paulo Martins


Primeiro, alguns lugares comuns: a Esquerda é plural; a Esquerda é certeira a identificar os malefícios do capitalismo. Depois, a realidade, sem maquilhagens. A Esquerda é tão plural que se senta no G-20 e no Fórum Social Mundial; assina por baixo os ditames da "troika" e aponta-a a dedo como potência estrangeira. É Esquerda desunida. Uma das suas faces ajuda a gerir o sistema, enquanto a outra o combate. E esta, a Esquerda de denúncia, entrincheira-se tanto que perde a capacidade de construir uma alternativa.
Quando toca a rebate, é a Direita que remove divergências e se concentra no essencial, a conquista do poder. Não, a estratégia não nasceu ontem; há muito se enraizou - e não apenas em Portugal. Com uma diferença, que não é de somenos: desta vez, a Direita destruiu a "teoria dos ovos", segundo a qual os portugueses não gostam de os pôr todos no mesmo cesto. Pela primeira vez, instalou-se nas três instâncias de poder. Com tempo para blindar as suas posições, mesmo em tempos de austeridade. Não será uma nuvem passageira.
Se este cenário não é suficiente para que a Esquerda reflicta sobre o seu rumo, de duas uma: ou quer continuar a viver de ilusões ou já atirou a toalha ao chão e não o assume. De pouco vale a constatação de que a crise financeira - a da "bolha" de 2008, que revelou a falência dos modelos de regulação - em vez de fustigar os partidos que fazem do liberalismo à solta a sua "bíblia", abateu ao efectivo, por essa Europa fora, governos socialistas.
Por que terá sido? Porque - e este é outro lugar comum - quando a Esquerda chega ao poder limita-se a gerir o sistema, em nome de inevitabilidades económicas. É ver a experiência portuguesa. António Guterres, com mais ou menos "social" na acção política, foi um privatizador militante. Sócrates, tendo o PSD como fiel escudeiro nas políticas económicas, assentou em causas mais ou menos "fracturantes" (despenalização do aborto, casamento homossexual, paridade) a diferença em relação à Direita.
É pouco, ainda que pontualmente tenha permitido a PS, PCP e BE viajarem no mesmo barco. Para logo voltar à tradição: três partidos de costas voltadas, cada um a agarrar-se à Esquerda que reclama como sua, do vasto cardápio.

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