Penso que todos consideramos ser óbvio que um qualquer programa de futuro, mesmo que seja um acordo com uma troika de entidades, tem de incluir um caminho de esperança.
Esperança
Os sacrifícios têm de incluir esperança
«Uma versão simples (de entre as várias opções de engenharia financeira de partilha de risco mutuamente benéfica), seria a Irlanda pagar mais quando o crescimento do seu produto nacional bruto for forte e menos quando o crescimento for mais fraco. O objectivo destas obrigações, ligadas ao PNB, ou de inovações de partilha e risco similares, deve ser restaurar, pela via do crescimento, uma dinâmica favorável do rácio da dívida soberana» (Patrick Honohan, governador do Banco Central da Irlanda, 7 de Abril de 2011).
Estas palavras, ditas este ano, revelam que o mundo não está entregue à falta de senso.
Penso que todos consideramos ser óbvio que um qualquer programa de futuro, mesmo que seja um acordo com uma troika de entidades, tem de incluir um caminho de esperança.
Estas palavras do governador do Banco Central da Irlanda revelam isso mesmo. Na prática, Grécia, Irlanda e Portugal não perderam nenhuma guerra militar. Não capitularam, não se renderam perante uma invasão. Não mataram, muito menos cometeram qualquer genocídio…
Esta é a questão: o povo da Grécia sente-se enganado e sente que não há janela de esperança. Com efeito, a preocupação não pode ser só os direitos dos credores. Esses direitos têm de ser compatibilizados com o direito do povo grego a saber que pode trabalhar por dias melhores. Uma revisão do acordo que exija mais impostos e mais privatizações é algo de doidos.
Há menos de uma década os gregos receberam o mundo nos Jogos Olímpicos de Atenas. Há 30 anos aderiram à comunidade europeia. Em 2004 foram campeões da Europa em futebol. Nada tem a ver com nada – e tudo tem a ver com tudo. Agora estão falidos? Ninguém viu? Ninguém deu por isso?
Volto a sublinhar: algumas instituições europeias e alguns dirigentes europeus que continuam em importantes funções podiam ter alertado, há muito tempo, para o que estava a passar-se… Ou não perceberam?
Por uma razão ou pela outra, já se deviam ter demitido. E o mundo precisa de saber que se demitem aqueles que falharam. E, principalmente, que não são os mesmos que agora estão com a responsabilidade de dar a volta à situação… E não se deveria começar pelo Eurogroup? E pelo Banco Central Europeu?
A Grécia precisa de esperança, precisa de sentir o empenhamento generalizado dos seus parceiros para poder recuperar. A Grécia, a Irlanda, Portugal e os mais que se seguirão. Precisam de sentir que não vão trabalhar, nos próximos anos, para serem saqueados por causa do peso de uma dívida cuja gravidade ignoravam.
Têm de pagar? Muito bem.
Mas não têm de se subjugar a acordos humilhantes que atrofiem a capacidade de sentir que também vão beneficiar do esforço que têm de realizar.
Lembrança
O Acordo de Londres de 1953 deveria ser lembrado
A propósito de bom senso, atentem neste texto sobre as orientações que ficaram consagradas no acordo de financiamento da recuperação da Alemanha Ocidental, depois da II Guerra Mundial:
O Acordo de Londres de 1953 sobre a dívida alemã foi assinado em 27 de Fevereiro, depois de duras negociações com representantes de 26 países, com especial relevância para os EUA, Holanda, Reino Unido e Suíça, onde estava concentrada a parte essencial da dívida.
A dívida total foi avaliada em 32 biliões de marcos, repartindo-se em partes iguais em dívida originada antes e após a II Guerra.
Os EUA começaram por propor o perdão da dívida contraída após a II guerra. Mas, perante a recusa dos outros credores, chegou-se a um compromisso. Foi perdoada cerca de 50% da dívida e feito o reescalonamento da dívida restante para um período de 30 anos. Para uma parte da dívida este período foi ainda mais alongado. E só em Outubro de 1990, dois dias depois da reunificação, o Governo emitiu obrigações para pagar a dívida contraída nos anos 1920.
O acordo de pagamento visou, não o curto prazo, mas antes procurou assegurar o crescimento económico do devedor e a sua capacidade efectiva de pagamento.
O acordo adoptou três princípios fundamentais:
1. Perdão /redução substancial da dívida;
2. Reescalonamento do prazo da dívida para um prazo longo;
3. Condicionamento das prestações à capacidade de pagamento do devedor.
O pagamento devido em cada ano não pode exceder a capacidade da economia. Em caso de dificuldades, foi prevista a possibilidade de suspensão e de renegociação dos pagamentos. O valor dos montantes afectos ao serviço da dívida não poderia ser superior a 5% do valor das exportações. As taxas de juro foram moderadas, variando entre 0 e 5%.
A grande preocupação foi gerar excedentes para possibilitar os pagamentos sem reduzir o consumo. Como ponto de partida, foi considerado inaceitável reduzir o consumo para pagar a dívida.
O pagamento foi escalonado entre 1953 e 1983. Entre 1953 e 1958 foi concedida a situação de carência durante a qual só se pagaram juros.
Outra característica especial do acordo de Londres de 1953, que não encontramos nos acordos de hoje, é que no acordo de Londres eram impostas também condições aos credores – e não só aos países endividados. Os países credores obrigavam-se, na época, a garantir, de forma duradoura, a capacidade negociadora e a fluidez económica da Alemanha.
Uma parte fundamental deste acordo foi que o pagamento da dívida deveria ser feito somente com o superavit da balança comercial. O que, ‘trocando por miúdos’, significava que a RFA só era obrigada a pagar o serviço da dívida quando conseguisse um saldo de divisas através de um excedente na exportação, pelo que que o Governo alemão não precisava de utilizar as suas reservas cambiais.
Em contrapartida, os credores obrigavam-se também a permitir um superavit na balança comercial com a RFA – concedendo à Alemanha o direito de, segundo as suas necessidades, levantar barreiras unilaterais às importações que a prejudicassem.
Hoje, pelo contrário, os países do Sul são obrigados a pagar o serviço da dívida sem que seja levado em conta o défice crónico das suas balanças comerciais (Marcos Romão, jornalista e sociólogo, 27 de Fevereiro de 2003).
Ou seja, há sete ou oito anos o mundo só falava das dívidas dos países do Hemisfério Sul. Lembram-se dos perdões parciais ou recusa deles em relação a países africanos?
Liderança
‘Golpe de asa’, precisa-se!
A questão, neste momento, é essa. É mundial. É preciso fazer quase tudo de novo. Continuamos na velha ordem – e é mesmo necessária uma nova ordem económica internacional. Obama já avisou, esta semana, que é preciso elevar o nível de endividamento autorizado à União. Necessita de um acordo com os republicanos para aumentar esse ‘tecto’. Se assim não for, os EUA não terão dinheiro no Verão para honrar os seus compromissos.
Portugal, por si, tem de fazer o seu trabalho de modo intransigente e aplicado. Tentar ultrapassar os tempos muito difíceis que aí vêm, não tanto pelas medidas legislativas mas mais pela retracção económica.
Admirei a atitude de Pedro Passos Coelho quando garantiu, antes das eleições, que não queria o PS no Governo. Mas é complicado, muito complicado. O primeiro-ministro grego, que tem maioria absoluta, apelou esta semana a um Governo de salvação nacional. Fórmula que defendi quando o PS ganhou as eleições de 2009.
Na altura, Cavaco Silva aceitou um Governo minoritário. A situação agravou-se muito nestes quase dois anos – e, desta vez, o Presidente da República aceitou a fórmula de um Governo PSD-CDS.
O desafio principal, nestes tempos que aí vêm, é ter ‘golpe de asa’. É ter um caminho pelo meio dos sentidos obrigatórios.
Sem comentários:
Enviar um comentário