terça-feira, junho 21

Os limites da economia

Francisco Sarsfield Cabral


Uma das armas mais frequentemente usadas entre nós para denegrir uma ideia, uma proposta, uma medida, é classificá-la de ‘economicista’, insinuando que o seu autor é desprovido de ética e de sensibilidade social.
Duvido que, na maioria dos casos, quem usa este adjectivo como argumento saiba o que está a dizer. Até porque o economicismo é, de facto, algo a evitar.
Hoje parece que a economia domina quase toda a vida pública e privada. A globalização trouxe muita coisa positiva, mas envolve uma ameaça: com o enfraquecimento dos Estados face aos mercados mundiais e aos grandes grupos económicos, e não havendo progressos no reforço do direito e das organizações internacionais para enquadrar a globalização, a política, e nomeadamente a democracia, perdem grande parte do seu sentido. É que os decisores empresariais não respondem perante os eleitores. Quando muito, prestam contas aos accionistas.
Curiosamente, era o marxismo anti-capitalista que considerava a esfera económica como a última instância da realidade, condicionando todas as outras áreas. Ora o liberalismo económico que despreza o Estado e a política é o irmão gémeo capitalista dessa visão economicista.
No mundo académico têm aparecido estudos que procuram reduzir tudo, ou quase tudo, ao cálculo económico: a decisão de casar ou não, de ter mais ou menos filhos, etc. É uma perspectiva redutora da realidade. As coisas mais importantes da vida estão fora da esfera económica e do mercado. Aliás, na própria ciência económica tornou-se claro para os mais clarividentes que o interesse próprio – o egoísmo, se quisermos – não é a única nem a principal raiz do agir económico das pessoas, que têm outras motivações para além da maximização do seu bem-estar.
Dito isto, vejamos o outro lado da medalha. Há muito quem proteste contra cortes em despesas – no Estado, nas empresas, nos serviços, na cultura, etc. –, agitando o fantasma do economicismo. Poderão até, por vezes, ter razão, mas o que geralmente ressalta desse tipo de acusações é o deliberado esquecimento de que há sempre custos e alguém terá de os pagar. Tratando-se de bens e serviços fornecidos ou subsidiados pelo Estado (por exemplo, os preços dos transportes públicos), a tentação é grande para os encarar como caídos do céu – quando, de facto, quem suporta os custos não pagos pelo utente somos todos nós, contribuintes, beneficiemos ou não desses bens e serviços.
Não defendo que tudo deva ser pago a preços de mercado, longe disso. Apenas me insurjo contra fazer de conta de que os custos são irrelevantes, o que vemos, às vezes, da parte de quem tem obrigação de não ignorar a realidade. É uma forma de irresponsabilidade lesiva do bem comum.
E é uma atitude enganadora, porque tenta que quem de facto paga a parte gratuita, para os que consomem ou utilizam o bem ou serviço em causa, não se dê conta disso mesmo. O que nem é difícil, pois esse custo, repartido por milhões de contribuintes, não é sentido individualmente por cada um. Se reduzir tudo à esfera económica e ao mercado é um erro, também é inaceitável ignorar os constrangimentos da economia.
A consciência de que tudo tem um custo – ‘não há almoços grátis’... – pode levar a dramáticos dilemas morais. Há casos eticamente simples, como uma guerra ou uma catástrofe, que justificam não dar prioridade aos custos económicos. Mas na Saúde, por exemplo, onde se multiplicam caríssimos meios de diagnóstico e de tratamento, não é fácil decidir onde deve parar a despesa. É natural que um médico queira socorrer-se de todos os meios que a tecnologia hoje lhe faculta; mas, tratando-se de dinheiros públicos, frequentemente há que escolher entre gastar muito com poucos ou gastar equilibradamente com muitos.
A vida não é simples e os recursos nunca são infinitos, o que obriga a escolhas espinhosas. De nada serve tentar tornar as coisas aparentemente mais fáceis culpando o pretenso economicismo.

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