sábado, junho 11

A esquina do Rio

Manuel Falcão


"Não há exemplo de alguém ter feito tanta coisa mal feita em tão pouco tempo"

Passado
"Não há exemplo de alguém ter feito tanta coisa mal feita em tão pouco tempo" - assim se referiu Belmiro de Azevedo a José Sócrates, cuja actuação, sublinhou o empresário, não foi a de um primeiro-ministro, mas de chefe de um grupo. Estas palavras, transpostas do Governo para o PS, são a exacta análise política do que aconteceu ao longo dos últimos anos e que agora está à vista. Sócrates serviu-se do PS para os seus interesses - para manter o seu poder pessoal - e, quando o perdeu, despediu-se com um lacónico "Adoro-vos" - um final que nem os mais criativos argumentistas de comédias de televisão imaginariam. Olha-se agora para o PS e vê-se um partido sem liderança, sem programa, com uma ideologia apenas residual e com um número reduzido de interessados em tentar resolver o problema. Sócrates na realidade secou tudo à sua volta, foi um parasita que se alimentou do aparelho, estiolando-o. Usou os seus amigos, os seus fiéis, para manter a máquina em respeito, usou o Estado para distribuir benesses a um nível que provavelmente ainda nem imaginamos. Fez tudo isto num metódico plano de tomada de poder que no início contou com a cumplicidade actuante do então Presidente da República, Jorge Sampaio, que manobrou a evolução política de forma a só convocar eleições quando Sócrates e o PS já se sentiam com condições para vencerem. Por isso, na hora da despedida, convém recordar que a incompetência de que Sócrates deu mostras como primeiro-ministro tem origem no golpe palaciano que Jorge Sampaio montou enquanto Presidente da República, depois da saída de Durão Barroso, em Junho de 2004. Esta é também uma parte de tudo o que aconteceu e que a História um dia estudará. O derradeiro episódio do estilo Sócrates aconteceu terça-feira, quando finalmente o Ministério das Finanças anunciou oficialmente as medidas constantes do acordo com a troika, que prudentemente mantivera a recato durante a campanha eleitoral.
Presente
O resultado das eleições mostra algumas alterações curiosas na demografia eleitoral - em primeiro lugar mostra a nível nacional uma clara maioria de centro-direita, com sinais de que uma parte deste reforço veio do segmento dos votantes mais novos - aqueles que já chegaram à idade adulta no início deste ciclo de poder do PS - e que o repudiaram. Por outro lado, mostra que pouco mais de um ano depois das autárquicas, a maioria da cidade de Lisboa vota agora no PSD e PP - e está por saber se este resultado não mostra, também, como nas autárquicas, que parte do PSD se absteve ou fez contra-vapor ou, até, optou por votar António Costa em vez de Santana Lopes - aliás a realidade é que a Distrital de Lisboa do PSD pouco se empenhou nessas eleições locais. Não há-de ser por acaso que o maior reforço de deputados do PP se deu em Lisboa precisamente - foi a reacção natural de muitos eleitores à escolha de Fernando Nobre para liderar a lista do PSD, o que também é outro dado curioso. Se é verdade que Passos Coelho conseguiu derrotar Sócrates, também é verdade - e deve ser salientado - que o fez com um programa de claro posicionamento mais à direita, contribuindo para separar as águas. Mesmo assim, ganhou - o que quer dizer, talvez, que também alguma coisa está a mudar no País. A análise de algumas sondagens pré-eleitorais permitia já perceber que a esquerda estava a reter o voto dos mais idosos e conservadores, que ainda vivem segundo os dogmas criados em 1974 - enquanto ao centro-direita surgiam eleitores mais novos e mais abertos a mudanças. É muito interessante ver, a este nível, que o PP em 2005 elegeu 12 deputados e, agora, elegeu 24 - duplicou a sua representação parlamentar em meia dúzia de anos. Toda esta situação é nova em Portugal e representa um desafio adicional para os dirigentes políticos que em breve irão governar o País. As condições estão criadas para a coisa correr bem. Esperemos que haja o bom senso de não estragar o que a votação criou.

Futuro
No rescaldo destas eleições é impossível contornar dois ou três factos que merecem estudo, resposta e eventuais alterações no funcionamento do sistema. O primeiro tem a ver com o aumento da abstenção, contrariando o apelo - aliás um pouco excessivo - de Cavaco Silva. A abstenção não se combate com apelos, combate-se com uma efectiva mudança no funcionamento dos políticos e na forma como os partidos conseguirem relacionar-se com os cidadãos, fomentando a participação cívica e não a limitando à militância nem ao cheque em branco. Estamos, como estas eleições mostram, a deixar a fidelidade absoluta aos partidos e a agir em função dos comportamentos dos políticos - Sócrates e Louçã sentiram isso mesmo nos resultados. Mas o funcionamento do sistema político há-de também passar pela reforma do Parlamento e pela revisão da Lei Eleitoral, cada vez mais desadequada da realidade actual. Os episódios lamentáveis das decisões de tribunais sobre os debates nas televisões devem fazer pensar no absurdo precedente que foi criado - e o melhor é encarar o problema de frente nos próximos actos eleitorais. Finalmente não deixa de ser estranho que esta campanha tenha acabado por ser das mais antiquadas em termos mediáticos - mesmo a presença dos partidos no mundo digital foi menos criativa e interessante que em algumas outras ocasiões.

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