sexta-feira, junho 24

Imbróglio no Parlamento. E agora, Pedro?

Baptista Bastos



O dr. Fernando Nobre submeteu-se, e foi submetido, a uma humilhação sem nome.
Os deputados não o admitiram como Presidente da Assembleia; Passos Coelho insistiu, com uma obstinação pelo menos surpreendente; e o próprio Fernando Nobre aceitou uma segunda volta vexatória. Não sei quem saiu vencedor desta peleja tão absurda quanto vergonhosa. Passos deveria ter recuado; Nobre não deveria ter aceitado; e o PSD não seguiu as ordens do seu presidente. Por outro lado, a "coligação" quebrou a sua aparente harmonia. O facto de Nobre ter sido escorraçado era previsível e, até, extremamente ponderável. Este estranho braço-de-ferro ainda lança opróbrio maior ao fundador da AMI. 

Não gosto de escrever estas palavras. Simpatizo pessoalmente com Fernando Nobre, embora as suas escolhas me tivessem espantado e deixado um pouco indignado, pelo alto estofo ético que atribuía ao nomeado. Almocei com ele uma vez, a seu convite, e associei o combate em que militava com muitos dos combates da minha geração. Motivo mais do que suficiente para o apreciar e estimar. O humanismo sorridente e o ar bondoso do seu olhar cativaram-me. Escrevi umas frases simpáticas. Mantenho-as. Embora não encontre, ainda hoje, resposta para as dúvidas e perplexidades que me assaltaram, quando da sua adesão formal ao PSD. 

Porquê? O programa do PSD contraria tudo o que o dr. Nobre tem defendido. Ainda me recordo da sua indignação veemente, quando, num programa de Mário Crespo, se insurgiu contra o sistema de saúde nos Estados Unidos. Um documentário fora exibido sobre um grupo de médicos americanos que, sem nada em troca, se haviam juntado para auxiliar quem deles precisasse. E um homem testemunhava o seu drama: percorrera mais de 400 quilómetros para ser assistido por um desses médicos, porque não tinha dinheiro para tratar de um dente, que o atormentava com dores. 

"É isto que eu não quero para o meu país!" exclamou Fernando Nobre, quase colérico. A indignação de Nobre era a minha indignação, e mais se acentuou a consideração e estima que por ele eu nutria. "Isto" é o que Pedro Passos Coelho se propõe impor e, por decorrência, o amolgamento ou a subversão total do Serviço Nacional de Saúde. E não me venham com paliativos retóricos. Nobre era, pois, um guerreiro da mesma tribo e um homem cujas palavras estavam em conexão com as suas admiráveis acções. 

Não sei o que se passou na cabeça deste homem. A verdade é que, se ganhou alguns afectos momentâneos, perdeu muitos milhares de amizades, nascidas da mesma origem que faz a solidariedade das pessoas. Não estou a fazer julgamento moral de um homem cujo passado sem mácula é um indicativo de coerência e de desprendimento. Apenas lamento. E lamento ainda mais porque muitos daqueles que seria previsível apoiarem-no, o rejeitaram por duas vergonhosas vezes. 

Que vai fazer, agora, Fernando Nobre, uma vez que se malogrou o desejo de ser Presidente da Assembleia da República? E aquele que o irá substituir com que justificação aceitará o cargo, no fundo, de terceira escolha? Assisti às palmadinhas nas costas e aos beijinhos caridosos que Nobre recebeu, após o conhecimento dos resultados do segundo escrutínio. Todos estes gestos possuíam o cunho da hipocrisia deslavada, e Nobre, encolhido na sua cadeira no Parlamento, era um homem colhido entre a surpresa e o pejo. 

Por outro lado, esta primeira derrota de Pedro Passos Coelho terá, necessariamente, repercussões. A obstinação do presidente do PSD enfrentou a obstinação declarada de Paulo Portas. As coisas, creio, não ficarão na mesma. Que se seguirá?

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