terça-feira, junho 21

Luta de classes

Alberto Castro



Entre a surpresa expectante e a desilusão, assim foi recebido o novo Governo. Tem tudo para dar certo (gente com ideias arrumadas e independência nalgumas das pastas críticas) e tudo para dar errado (falta de experiência de decisão em duas das pastas mais críticas, economia e finanças).
Nas actuais circunstâncias, o dever de quem ainda tem esperança é dar-lhe o benefício da dúvida. A sua vida nunca seria ou será fácil e bem lhe basta que haja quem lha queira complicar: todos aqueles que vêem o Mundo como o palco da luta de classes.
É assim no sindicalismo mais radical da CGTP, por força da influência do PCP. Quando até mesmo uma pessoa sensata, doutorada em sociologia, como Carvalho da Silva, inventa, para relativizar os resultados das eleições, a dicotomia entre maioria aritmética (política) e maioria social, estamos conversados quanto ao que se pode esperar dos sindicatos afectos àquela central sindical.
Nada de novo em quem continua a cultivar a lógica da vanguarda iluminada. O pior que poderia acontecer seria o Governo ceder à tentação, que poderá haver em alguns dos seus membros, de responder a esta arrogância no mesmo tom de iluminados salvadores da pátria. Passos Coelho, cuja simplicidade e honestidade têm desarmado os mais cépticos, terá aqui um papel moderador fundamental.
Não se pense, porém, que aquela leitura maniqueísta e datada é exclusivo da esquerda sindical. Na direita patronal há muito quem pense simetricamente e, ao fazê-lo, validem o modo de ver o Mundo que dizem rejeitar.
Como se costuma dizer, os extremos tocam-se. Se para alguns sindicatos os patrões são a encarnação do mal, para alguns patrões os trabalhadores são sempre vistos com desconfiança. Aproveitando a viragem política, exigem menos Estado mas, entretanto, requerem mais do Estado para que possam perpetuar-se, sem demasiados sobressaltos, até à próxima crise.
Para o novo Governo representam um desafio tão ou mais importante que o anterior: não se deixar capturar pelo conservadorismo empresarial que, mesmo quando embalado num discurso de reformas radicais, mais não pretende que a preservação de um modelo de desenvolvimento económico que nos tem trazido, regularmente, até à borda do precipício.
Mais do que nunca, precisaremos de diálogo e concertação social, sem escamotear nada. E de ter os incentivos certos, para a mudança. Muitas das medidas de que por aí se fala terão, se forem aplicadas mecanicamente, consequências sociais gravíssimas. Nessa perspectiva, a afirmação de Carvalho da Silva soa como premonitória: a tal maioria pode vir a formar-se.
Seria trágico, não apenas pelas ruinosas consequências mas porque significaria que se tinha desprezado a dimensão social. Que fazer para que tal não suceda? Ao contrário do que defendem alguns isolacionistas, de direita ou esquerda, Portugal só tem futuro e potencial de crescimento se conseguir reforçar a sua capacidade de competir num mercado aberto.
Hoje, só o conseguimos fazer num número diminuto de sectores e não geramos a riqueza suficiente para manter o nível de vida que temos tido, em média, mesmo que corrijamos as grosseiras assimetrias de distribuição de rendimento que subsistem. É preciso que os portugueses percebam que os sacrifícios que se anunciam são brincadeira de crianças comparado com o que sucederia se saíssemos do euro.
É imperativo fazer esta pedagogia, garantindo a salvaguarda de um patamar mínimo de direitos humanos. Há que incentivar o investimento, a criação de emprego e de riqueza. Não se pode distribuir o que se não tem.
É preciso dificultar o crédito ao consumo e tomar medidas emblemáticas que afectem os mais favorecidos: reforçar a tributação do consumo sumptuário ou fútil; alargar a noção de bens de luxo; lançar uma sobretaxa, cativada para fins de solidariedade social, sobre o IRS dos rendimentos mais elevados. Se não transparecer algum equilíbrio nos custos, o descalabro será inevitável. E não estou a falar apenas de economia.

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