Ao novo Governo vai competir a árdua missão de trazer Portugal à realidade. Trata-se de uma tarefa cheia de espinhos, que não lhe granjeará sombra de popularidade.
Cavaco Silva fez, porventura, a mais relevante afirmação de um alto responsável político português, desde há muitos anos. Só na aparência é corajosa. Acima de tudo, revela-se frontal e adequada aos tempos que correm. O mérito reside precisamente no realismo que a acompanha e na ausência de floreados.
Ouvir o Presidente da República dizer, com clareza, que é preciso repensar o conceito de serviço público que o País conhece, à margem de ideologias, constitui uma pedrada num edifício construído, durante anos e anos, à sombra da ideia de que o Estado pode providenciar tudo ou quase tudo. A penúria a que se chegou põe ponto final num mito alimentado de promessas demagógicas acobertadas num endividamento monstruoso. É bom que finalmente se comece a falar verdade.
1. Ao novo Governo vai competir a árdua missão de trazer Portugal à realidade. Trata-se de uma tarefa cheia de espinhos, que não lhe granjeará sombra de popularidade. Se fizer bem o seu trabalho, talvez daqui a alguns anos , as novas gerações lhe agradeçam , por ter tirado Portugal do buraco em que caiu . Mas há, de facto, o "se".
O Executivo precisa ser competente, rigoroso, invulnerável e determinado. Sem isso não passará de mais um na longa lista de equipas ministeriais que os portugueses vão vendo desfilar. Dispõe de uma oportunidade para virar uma página da História e relançar a esperança numa população descrente nos homens, nos políticos, nos banqueiros, nos empresários, nas instituições. Necessita dar-se ao respeito para ser respeitado, apostando na transparência das decisões e na verticalidade das atitudes, inflexível perante confusões entre interesses privados e negócios públicos.
2. Numa coisa Passos Coelho começou bem: a trabalhar rápido. Encontrou forma de, sem demoras, se entender com Paulo Portas, que deu sinais claros de empenho na solidez da coligação. A plataforma de acordo político foi atingida em poucos dias e o elenco governativo escolhido sem perdas de tempo. Os líderes do PSD e do CDS não puderam, de facto, saborear o champanhe a que os resultados eleitorais lhes haviam dado direito.
A pressa em atacar a crise obrigou-os a acertar o passo, sem grandes intransigências. Os consensos obtidos proporcionaram um projecto de Governo e uma equipa que parece, acima de tudo, operacional e imbuída de sentido prático. Todos os diagnósticos sobre o País estão profusamente feitos pelo que a hora é de agir. Há indicações que permitem adivinhar que o elenco governativo, numa primeira análise, se prepara para actuar orientado, sobretudo, pelo pragmatismo que a situação das finanças públicas requer.
3. Não se me afigura, pelo que até agora se conhece, que este vá ser um Governo que se embrulhe muito em palavras. O corpo de ministros surge com ar muito operacional e técnico, aspecto que é reforçado pela presença de gente independente cujos méritos, do ponto de vista estritamente técnico, são reconhecidos.
O ministro das Finanças tem largo curriculum na Europa e conhece as circunstâncias específicas em que Portugal se move, não se perdendo nos corredores das instituições europeias onde o nosso futuro se joga. Terá de actuar de forma a acumular argumentos que suavizem as posições duras de inspiração germânica quanto aos apoios financeiros e, em simultâneo, encontrar os caminhos que permitam o relançamento da economia.
Só a austeridade não resolverá qualquer problema, como as lições que chegam da Grécia bem demonstram. Espera-se que Vítor Gaspar consiga passar à prática aquilo que já disse por escrito ser fundamental para o País: aumentar a produtividade e a competitividade em relação à Europa e ao mundo, bem como crescer de forma sustentada, criando empregos, rectificando desequilíbrios, reforçando a concorrência e transformando as bases produtivas. Vai ter oportunidade de mostrar o que vale e provar que a sua qualidade de consultor e estudioso não é incompatível com a de homem de acção. Prioritária, também, a obrigação de colocar na ordem o sistema financeiro e impor verdade à actividade bancária, exigindo-lhe solidez e fiabilidade.
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