segunda-feira, junho 20

O Governo e a maldição das primeiras impressões


Miguel Coutinho
Este país é de primeiras impressões e agarra-se a elas para incensar o seu fatalismo. Muitas das primeiras impressões sobre o novo Governo registaram o pré-aviso de um desastre anunciado: é demasiado técnico, é excessivamente jovem, é perigosamente economicista, tem segundas escolhas e muitos desconhecidos a quem falta peso político.
Só faltou dizer que um Governo assim poderá não resistir à tomada de posse. Este Governo poderá obviamente fracassar mas existem coisas que devem ser ditas em sua defesa, até por ser aquele que tem pela frente a mais espinhosa missão desde 1974. A primeira é que há gente que tem uma vida profissional de sucesso e que, apesar disso, aceita ir para o Governo, em circunstâncias duríssimas, quando lhe garantem apenas duas coisas: ganhar menos e preocupar-se muito mais. Seriam, aliás, necessárias segundas ou até terceiras escolhas se a garantia fosse a inversa: ganhar mais
e ter metade das preocupações?
A segunda nota é que a juventude não é um estigma mas comporta em si uma fundamental esperança de renovação. A experiência é, sem dúvida, um activo. Mas, foi a experiência que nos trouxe ao atoleiro onde estamos. Se não acreditarmos na juventude, na sua capacidade de sonho e de concretização, na sua alegria e no seu bom senso, o melhor é apagar a luz e entregar a chave do país.
A terceira é que devemos ser o único país no mundo que, apesar de atribuir à classe política a responsabilidade pelo estado a que chegámos, prefere ter ministros com peso político a ministros com capacidade técnica. Conviria assentar ideias: o estudo, o conhecimento teórico e a preparação técnica são qualidades que temos de aproveitar ou defeitos que devem estar acantonados na academia? Preferimos um governante que comunique bem e nos minta a um mais inexperiente que tome decisões fundamentadas, faça contas e garanta a gestão do erário público com rigor?
E uma quarta e última observação: haverá ainda quem discorde de que o país precisa de aprender a fazer contas e a viver com o que tem? Sem descurar as situações de emergência social, precisamos, sim senhor, de ministros economicistas. Ler os números e entender o que eles nos dizem não é um atentado ao Estado Social. É a única forma de salvar o que resta dele.

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