sábado, junho 18

Pai, afinal não sou ministro

André Macedo

Maçãs comparam-se com maçãs, laranjas com laranjas, mas todos os governos, na fase embrionária, são iguais, sejam eles de esquerda ou de direita. Nas últimas duas semanas correram pelo país nomes -- conhecidos ou desconhecidos -- de gente ministeriável. Alguns destes nomes foram chegando aos jornais, outros, os de cargos menos vistosos do Estado – Passos vai ter de nomear já, já 319 dirigentes da administração central --, não chegaram, mas as profundezas de todos os ministérios e direcções-gerais estão em pleno transe apache com os nomes de gente que vai mandar ou, como acontece sempre, que acha que vai mandar ou -- última e mais recorrente hipótese -- que pretende que o mundo pense que vai mandar. Escrito assim, até parece poesia.

Nos meses que antecederam as eleições legislativas muitos se colocaram na linha da frente para poder figurar nesta lista de candidatos a ministro. Ser ministeriável já representa um avanço nas roldanas que movimentam as relações de poder. “Pai, afinal não sou ministro” -- não é assim tão mau como soa: ter feito parte da lista de possíveis candidatos abre novas hipóteses num Estado partidarizado, filiado e dependente – e que, apesar das boas intenções de Passos Coelho e Paulo Portas, não se resolverá com duas rápidas bombadas de tira nódoas. É fácil dizer, difícil é fazer e mudar. 

Ontem, na apresentação da coligação governamental, apesar da calma dos dois líderes, muitos à sua volta já revelaram aquele estado febril e olhar vítreo que costuma afectar quem andou perdido no deserto durante demasiado tempo e agora, finalmente, vê aproximar o oásis do poder e, com ele, o leve bafio a antigo regime que ainda impregna algumas das salas do nosso decadente poder. O Palácio de S. Bento, que receberá em breve Passos Coelho, é o exemplo perfeito deste décor passé. Empregados de libré, sofás de veludo roçado, tapetes cansados, molduras gastas e douradas, peças da companhia das índias rachada.Não se trata de mudar os móveis, Passos tem mais com que se preocupar. Mas há rotinas que seria bom não repetir: têm pó a mais, já se viu que não levam a lado nenhum. Por exemplo, as conferências de imprensa – sem direito a perguntas – com nada de substantivo para dizer, como a de ontem, não fazem qualquer sentido, são um desrespeito pelo país, uma má herança de Sócrates. O país está farto de encenação. Por isso, ontem teria sido a ocasião de ouro para conhecer não o acordo político (que sabíamos inevitável), mas o acordo programático entre PSD e CDS. Será aí que começaremos a perceber que país vamos ter nos próximos tempos. Quanto aos ministros, nas próximas horas o mistério será resolvido.

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